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Capitalismo sem capitalistas 
                                                  Roberto Amaral


Não sei se o mais adequado é falar de ‘desindustrialização’ ou em retorno ao primarismo’. O fato é que somos cada vez mais produtores de matérias-primas e de suas exportações dependentes para salvar a balança comercial. Dependência perigosa do ponto de vista estratégico, se pensarmos no futuro do país. E ainda mais perigosa se pensarmos no curto prazo, pois a tendência mundial, alimentada pela crise global do capitalismo é, com a queda geral da demanda, a inevitável queda dos preços das commodities (consultores de mercado internacional estimam em 10% a queda dos preços da soja, da carne, do açúcar e do café nas bolsas de mercadorias). Quando um país reconhece que está em recessão (Itália e Espanha), ou, como a China de nossos dias, anuncia que vai controlar (leia-se reduzir) seu nível de crescimento (que dos fogosos 10% de tantos anos agora é projetado em 7,5%), ele está dizendo que vai comprar menos insumos. O  outro lado da moeda é o que nos diz respeito, pois sua tradução é  que venderemos menos, e se venderemos menos, teremos menos receita.
Tudo isso ocorre quando as chamadas grandes economias (EUA, China e Alemanha à frente) aumentam o cardápio de suas medidas protecionistas, adotam políticas comerciais agressivas (de que são alvo os ‘emergentes’, isto é, nós) e o grande irmão do Norte inunda o mercado com dólares impressos sem lastro que deságuam nos países emergentes (de novo eles), agravando a crise cambial, caso específico brasileiro. Aqui, um real artificialmente sobrevalorizado estreita as margens de nossas exportações (de manufaturados, principalmente, mas também de commodities) e arromba as portas de nosso mercado interno para as importações de produtos industrializados, numa concorrência desleal com a produção nacional. Esta sofre com os juros altos, altíssimos (os maiores do mundo) ainda embora em queda, e com problemas estruturais que deitam raiz na origem no ciclo de desenvolvimento dos anos 1950, e do modelo de industrialização tardia adotado, apoiado na import ação de fábricas de baixo emprego de tecnologia ou de tecnologia ultrapassada (o bom exemplo são sempre as montadoras e suas ‘carroças’). Em outras palavras: o futuro imediato aponta para a associação dos preços mais baixos das commodities com as importações em patamar elevado, donde  um saldo comercial crescentemente estreito.
E não poderia ser diferente, pois nossas exportações de produtos primários superam as de manufaturados. No ano passado, informa Luiz Guilherme Gerbelli (OESP, 11/3/2012), “apenas seis grupos de produtos – minério de ferro, petróleo bruto, complexo de soja e carne, açúcar e café – representaram 47,1% do valor exportado. Em 2006, essa participação era de 28,4%”.
Mas, infelizmente, esta ainda não é a verdade toda. O Brasil é o maior exportador mundial de café em grão, e a Alemanha, que não produz um só grama, é o maior exportador mundial de café solúvel; a Itália, o maior exportador de máquinas de fabricação da bebida e criador de variadas formas de seu preparo. O Brasil exporta pedras preciosas para importá-las lapidadas. Paro nesses dois exemplos escolhidos ao acaso, pois a listagem seria interminável.
Na listagem de Gerbelli está o petróleo, mas o petróleo bruto! Essa esse despautério é uma das heranças do neoliberalismo e do fim de investimentos pela Petrobras no refino, política de lesa-pátria dos Fernandos só corrigida no governo Lula, com o atual programa de ampliação e construção de novas refinarias. Mas, qual a política para a era do Pré-sal? Ao contrário do que mais preocupa a imprensa ligeira e alguns governadores, a questão menos relevante é a distribuição dos royalties, em torno do qual tanto brigam. O essencial é saber se nos conformaremos em ser grandes exportadores de óleo bruto, como um Iraque, um Irã, uma ArábiaSaudita, uns Emirados Árabes. Qual será nossa política? Eis o que precisamos discutir já e com atraso.
A questão que aflige a produção brasileira de manufaturados, especialmente de bens de consumo, é menos de sobrecarga fiscal e mais de política industrial, que precisa ser concebida dentro de um projeto de retomada do planejamento público. Mais Ministério do Planejamento e menos Tesouro Nacional. Não conheceremos o crescimento (com bem-estar social) de que carecemos, nem ele será sustentável se, puxada a economia pelo Estado, não investirmos pelo menos 25% do PIB.
Queiram ou não os oráculos do neoliberalismo.
O industrial brasileiro, que jamais conheceu o pioneirismo (Mauá, o grande símbolo de empreendedorismo, era um dependente de concessões de serviços públicos e por isso mesmo atrelado à banca do Império), ora é um associado de multinacionais, ora um rentista do BNDES, o sócio capitalista de nossos capitalistas.  A regra é esta, quando se trata de empreendimento que exija alto emprego de capital, algum nível de risco ou lenta maturação, o erário entre com o capital e o empresário privado – isto é, o grande empresário – com o lucro. O orgulhoso agronegócio deve ao Banco nada menos de 13 bilhões de reais e muito mais do que isso à carteira agrícola do Banco do Brasil. Mantém uma custosa bancada de ‘deputados ruralistas’ para, além do lobby legítimo, impor à União, periodicamente, a anistia de suas dívidas. Como sempre: prejuízo socializado, lucro privatizado.
O grande problema do capitalismo brasileiro é exatamente este, a ausência de capitalistas, e o que nos salva é exatamente a existência de um Estado ainda indutor do desenvolvimento (em que pese a insistente cantilena das grandes empresas de comunicação de massa). No plano industrial, o pouco ou muito que tems inexistiria se não houvesse o BNDES; no plano agrícola, nossos empresários dependem da Embrapa(investimento do Estado em pesquisa) e da carteira agrícola do BB, que vive levando beiço de seus rentistas. No plano da tecnologia e da inovação nada teríamos logrado sem o MCT, o CNPq, a Finep e as agências estaduais de fomento, como a Fapesp.
Enquanto a necessidade não cria nossos capitalistas, cabe ao Estado, retomar com força seu papel desenvolvimentista controlar o câmbio, aumentar os mecanismos de proteção de nosso mercado, cujo bom sinal é a renegociação com o México do acordo de importação de veículos, aumentar os custos das importações (e para elas adotar critérios seletivos) e conservar a atual política de queda de juros. E, para maior irritação da direita impressa, acelerar o processo de distribuição de renda, que compreende o contínuo aumento dos salários em geral e do salário-mínimo de forma especial.  País rico é aquele que exporta os excedentes não absorvidos pelo consumo interno, que é tanto maior quanto mais justa seja a sociedade.

 

 

 

 
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De como defender empregos - Wladimir Pomar

O mercado de trabalho assalariado foi uma criação do capital. Antes do surgimento do capitalismo como modo de produção, existiram exemplos de trabalho assalariado durante o escravismo e, em menor escala, durante o feudalismo. Mas a transformação em massa da força humana de trabalho numa mercadoria como outra qualquer, a ser negociada no mercado, foi uma invenção do capital.

É lógico que essa transformação só foi possível pela ocorrência de alguns novos fatores históricos. Para ficar nas principais, primeiro, pela pilhagem mercantil da globalização colonial dos séculos 16 a 18, que acumulou grandes riquezas em vários reinos europeus. Depois, pela expropriação de milhões de pequenos proprietários de meios de produção que, na Inglaterra, trabalhavam as terras comunais e foram transformados em massas humanas deserdadas. E, ainda, pela transformação das manufaturas em indústrias, que se valeram dos novos avanços técnicos, em especial da máquina a vapor.

A união da riqueza monetária, acumulada em mais de três séculos de espoliação colonial, com a força de trabalho dos deserdados ingleses e com as novas condições produtivas da indústria, criaram o capital e o trabalho assalariado massivo, como irmãos siameses. Por um lado, em colaboração, para colocar em funcionamento os meios de produção industriais e transformar as matérias primas em produtos, numa escala muito superior ao que conseguiam as antigas manufaturas. Por outro lado, em oposição a essa colaboração, o conflito entre trabalho e capital. Primeiro, para fazer com que o capital pagasse salários justos, isto é, salários que correspondessem ao valor real da força de trabalho. Depois, para participar da apropriação de uma parte do valor criado pelo trabalho assalariado. E, finalmente, para evitar que o capital se livrasse da força humana de trabalho, substituindo-a por máquinas cada vez mais produtivas.

Nesse processo, o capital conseguiu criar um crescente exército industrial de reserva, introduzindo a disputa interna entre os trabalhadores, para rebaixar ainda mais os salários. É verdade que, nos períodos de grande expansão industrial, como ocorreu na Europa do pós-guerra, e no Brasil durante os períodos do governo JK e do chamado milagre econômico da ditadura militar, a demanda de força de trabalho reduziu drasticamente o exército industrial de reserva.

Na Europa assistiu-se à importação de trabalhadores convidados, da Turquia, Portugal e outros países menos desenvolvidos. No Brasil assistiu-se a uma transferência massiva de trabalhadores rurais em busca de melhores condições de renda, que modificou radicalmente a proporção entre a população rural e urbana e deu corpo a uma nova classe trabalhadora industrial.

Se olharmos a história contemporânea de quase todos os países do mundo, podemos facilmente chegar à conclusão de que a chave para a criação e a defesa de empregos dependeu fundamentalmente do desenvolvimento industrial, apesar da tendência também permanente de desenvolvimento tecnológico e descarte de trabalhadores.

No Brasil, os auges de emprego dos anos 1950 e 1970 estiveram ligados a fortes investimentos estatais em infra-estrutura e a grandes renúncias fiscais para atração de investimentos industriais estrangeiros. As indústrias automobilísticas não só receberam terrenos a custos ínfimos, como passaram anos sem pagar diversos impostos e, ainda hoje, podem importar equipamentos, mesmo ultrapassados e amortizados, com isenções que às vezes beiram a irresponsabilidade.

É verdade que, em tempos recentes, criaram-se teorias diversas sobre uma era pós-industrial, na qual o setor de serviços substituiria a capacidade de geração de empregos da indústria. Porém, um exemplo significativo, pelo lado negativo, da falsidade dessas teorias, é a situação crítica em que se encontram os Estados Unidos e, em grande parte, a Europa.

Suas corporações industriais transnacionais, na busca desesperada para manter elevadas suas taxas médias de lucro, segmentaram-se por diversos países onde podem obter altas taxas de mais-valia absoluta. Com isso, realizaram um imenso processo de desindustrialização, em especial dos Estados Unidos. Eis porque, além das dificuldades para taxar fortemente as grandes fortunas, o governo Obama enfrenta, como obstáculo intransponível para a geração de empregos, a resistência de suas corporações industriais em voltar a produzir em seu próprio território.

Na situação atual do Brasil, se quisermos defender empregos, só poderemos fazê-lo gerando novos empregos através do desenvolvimento da indústria. Essa questão é fatalmente premente porque a crise que abala os países desenvolvidos é muito mais profunda e destrutiva do que a de 2008. Embora alguns setores não se cansem de dizer que o Brasil está preparado para enfrentá-la, pela primeira vez na história recente dos governos democráticos e populares o Banco Central saiu na frente na avaliação dos riscos reais da crise e rebaixou a taxa de juros.

Para preparar ainda mais o Brasil, tendo em vista defender seu mercado interno e os empregos, a macro-economia anti-crise recomendaria reduzir todos os impostos que gravam a produção e adotar uma política ativa de ampliação do parque industrial e do mercado interno de consumo. Os únicos impostos que deveriam ser elevados são aqueles relacionados com a especulação financeira e as grandes riquezas, com o objetivo de obter mais recursos para investimentos em infra-estrutura e instalação de novas plantas industriais.

Ao invés de contingenciar recursos, seria mais recomendável que o governo os ampliasse, de modo a realmente acelerar a construção infra-estrutural de ferrovias, portos, aeroportos, telecomunicações, usinas geradoras e linhas de transmissão elétrica. Isso não só pode reduzir substancialmente o chamado Custo Brasil, como também gerar milhares de empregos.

Ao invés de tomar medidas que espantem potenciais investidores no desenvolvimento industrial, seria mais aconselhável criar mais facilidades para sua instalação no território brasileiro e ter uma política ativa de atração. Nós precisamos fábricas de locomotivas, que não temos, como novas fábricas de vagões. Precisamos novos estaleiros e instalações navais, que fabriquem tanto navios e plataformas de exploração, quanto componentes de equipamentos tecnológicos para o setor. Necessitamos novas fábricas de veículos, principalmente caminhões de carga, que rompam os preços administrados dos oligopólios e ofereçam preços compatíveis para a ampliação do mercado interno.

O Brasil precisa de muito mais indústrias, como chave para a geração e defesa de empregos, para a ampliação do mercado interno e, também, para a criação de setores verdadeiramente nacionais em ramos que hoje se encontram totalmente em mãos de multinacionais estrangeiras. Este é um bom momento para adotar uma política que dê um novo equilíbrio de forças entre os capitais estatais e privados nacionais e os capitais estrangeiros, de modo que nosso produto nacional bruto não seja descompassado com o produto interno bruto. Mas isto é assunto para um próximo comentário.

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Uma nova geração para o PT governar os municípios

Nas eleições municipais de 2012, o PT precisa incluir a importância dos jovens, como o ex-presidente Lula já havia pedido no final de 2010 em reunião com a Executiva Nacional, nas agendas e resoluções do partido.

Precisamos demarcar que a quantidade inédita de jovens na população do Brasil, a maior da história, deve ser central para as políticas do governo Dilma, e inclusive já conseguimos emplacar uma jovem petista à frente da Secretaria Nacional de Juventude, companheira Severine Macedo, mas já é hora do PT pensar também que é no município que os 52 milhões de jovens brasileiros que podem potencializar nosso crescimento econômico com distribuição de renda desenvolvem a sua trajetória pessoal. E serão neles que a nossa população começará a envelhecer, ter mais gente sustentada pelo estado do que produzindo, previsto para 2020/2030.

Por isso, é urgente formular políticas específicas para as cidades e territórios, para além dos convênios com ações, projetos e programas de âmbito federal.

É nos municípios, os jovens demandam equipamentos públicos para o esporte, cultura e lazer, para terem um tempo livre saudável e propício às experimentações características dessa fase da vida, sem a qual não podem planejar sua vida.

É nos municípios que os jovens, destacadamente os das favelas, baixadas e periferias, encontram graves entraves à sua mobilidade para o estudo, trabalho e lazer.

É nos municípios, com suas especificidades que acontece o extermínio da juventude negra e pobre e a violenta homofobia que estampa o grande noticiário. É no município que as jovens mulheres engravidam, outros se drogam e caem no crime e a depender do porte, moral e economia da cidade conseguem ou não retornar a uma vida social digna.

O Mapa da Violência, que abarca principalmente jovens, que são os maiores cometedores e vítimas de violência e mortes por causas externas, se alguém se dedicar e ler com delicadeza, para além de percentuais, é dividido exatamente por...Municípios.

Os grandes investimentos públicos e privados prioritários que a atual geração demanda não se materializam nos rendimentos das bolsas de valores, mas em obras e serviços construídos em cidades.

Para ficar só nesses exemplos.

2012 é um ano eleitoral que favorece candidatos mais de base, lideranças de movimentos sociais, comunitários. Portanto, é uma oportunidade para promover o processo de renovação dos quadros e lideranças do PT, promover as novas gerações que dirigirão o partido. Nossas grandes e valorosas lideranças já tem 60 anos, são os fundadores do PT, tem uma renovação importante que precisa ser valorizada e preparar já os que estão vindo, os jovens de hoje do PT, que tem mostrado capacidade de assumir o partido e que tem pensado os grandes temas do Brasil.

Temos hoje um percentual grande votos para deputado, temos a presidência da república e temos estados e grandes cidades, então o maior desafio agora é se enraizar nos municípios. Com os votos que o PT tem e a nova base social surgida pelo crescimento econômico, Bolsa-Família e aumento do salário mínimo, não dá mais para não sermos os mais expressivos em número de prefeituras.

Para dar conta disso, é fundamental que o PT invista em candidatos jovens às câmaras municipais e prefeituras em 2012, pois só o investimento em novas lideranças conseguirá gerar a capacidade do partido em governar milhares de pequenas e médias cidades Brasil a fora, ampliando o leque de dirigentes, parlamentares e gestores municipais.

Em todo ano eleitoral municipal uma grande quantidade de jovens se apresenta para se lançar à vereança ou às prefeituras e na maioria das vezes não obtêm apoio ou sequer são levados a sério, desperdiçando centenas de lideranças.

Por todas as questões relacionadas, acredito que não tem mais como a juventude passar por invisível nos debates, reuniões e encontros que o PT organizará com os diretórios municipais e zonais, além de prefeitos e vereadores para planejar sua participação nas eleições de 2012.

Valdemir Pascoal é secretário nacional de Juventude do PT.------------------------------------------------------
O inconfessável desejo e a realidade



Por acaso os presidentes não têm direito de adoecer? Afinal, estão mais expostos às enfermidades devido a todas as exigências do cargo. Que compostura e dignidade comportam certos setores da sociedade e seus porta-vozes impressos e eletro-eletrônicos quando um presidente se enferma e festejam, mostram satisfação, sabendo que o fato representa aflição e preocupação ao povo que o elegeu. Que classe de seres humanos são os que desejam, dissimuladamente, a morte de presidentes e políticos que não podem controlar, quando diante das tragédias comuns de nosso dia-a-dia se mostram consternados e piedosos.



A direita venezuelana – e isto se pode estender a todas de todos os recantos, em especial de Washington a Madri – pretende conseguir agora, graças ao câncer que acometeu o presidente Hugo Chávez, o que não conseguiu em doze anos: sua derrocada do poder, por qualquer meio. Tentaram a sedição do golpe militar, valeram-se da Pdvsa para paralisar o país, alegaram fraude em disputas eleitorais, arquitetaram múltiplas conspirações para desestabilizar o governo. Não conseguiram. Perderam as ruas, perderam as urnas e perderam os quartéis.



A doença de Chávez desatou uma odiosa e repugnante campanha midiática global que jogou no lixo os últimos resquícios de integridade moral e os princípios que devem nortear o jornalismo: objetividade e verdade. Preferiram entregar-se à manipulação política servindo aos interesses da oligarquia local e à estratégia regional do império.



Quem lesse a grande imprensa privada da Venezuela percebia que havia certo regozijo com a enfermidade do presidente, exigindo que Chávez se licenciasse e o vice-presidente Elias Jaua assumisse o Palácio Miraflores. Alegavam os meios de comunicação e políticos de oposição, com base em “informações confidenciais” ou em “relatos do serviço de inteligência da CIA” que o estado de Chávez era terminal, que se havia cometido gravíssimo erro médico de diagnóstico e execução cirúrgica, que o câncer já se espalhara. Enfim, que o presidente não tinha condições de permanecer no cargo e muito menos de governar de Havana, onde estava hospitalizado. Fizeram ‘tabula rasa’ do comunicado oficial do chanceler Nicolas Maduro de 10 de junho, segundo o qual o presidente sofrera cirurgia de emergência para limpar um abscesso pélvico e desdenharam a manifestação do próprio Chávez em 30 de junho de que tivera de passar por uma segunda cirurgia para extirpar células e tumor cancerígeno. A respeito da doença do presidente seguem dizendo “segundo as versões oficiais insuscetíveis de confirmação” e que a “localização e gravidade, assim como o tratamento e o prognóstico dos médicos são mantidos em segredo”.  Georges Pompidou, presidente da França, morreu de macroglobulinemia de Waldenström , um tipo de câncer linfático, no exercício de suas funções; François Mitterand governou boa parte de seus 14 anos de mandato carregando um câncer na próstata; e mais recentemente Fernando Lugo do Paraguai, governa normalmente ainda que portador de linfoma. São alguns exemplos e nenhum deles recebeu o tratamento mórbido de que Chávez é alvo.  



O regresso de Chávez e a incrível manifestação espontânea que reuniu mais de 150 mil pessoas para ouvir o presidente do ‘Balcão do Povo’ do Palácio Miraflores e demonstrar sua imensa alegria, consistiram em resposta contundente àqueles que insistem em desestabilizar o governo. A reação venezuelana e o império esperavam que o afastamento do cenário político e administrativo de Chávez levassem a uma literal paralisia da ação governamental. Para seu imenso desgosto, no mês que Chávez esteve distante de Caracas, antes pelo giro que incluiu Brasília, Quito e Havana e depois pela internação hospitalar, o governo enfrentou galhardamente o desafio e seguiu funcionando normalmente. Não ocorreu nem ingovernabilidade nem vazio de poder nem paralisia de funções nem crise política nem agitação social como prognosticavam a oposição e seus porta-vozes midiáticos.



Insistem agora que as mazelas do país – os descaminhos da economia, a inflação nas alturas, a criminalidade desabrida, a escassez de moradias e o racionamento de energia – se agravaram. São problemas reais, existem e precisam ser combatidos. No entanto, escamoteiam e evitam dizer que nenhum governo do mundo fez tanto em tão pouco tempo pela saúde e educação de seu povo. Venezuela está livre do analfabetismo, mais da metade da população freqüenta alguma sala de aula, todo o povo tem acesso gratuito à medicina preventiva, a Missão Vivenda Venezuela está entregando casas para a população pobre, o instituto norte-americano Gallup situou a Venezuela em 6º lugar de bem-estar do mundo, considerando próspero seu nível de vida atual e expectativas futuras, o PIB cresceu 4,5 por cento no 1º trimestre, caiu a taxa de desemprego para 8,1 por cento, o salário mínimo e a distribuição de renda é o mais alto e a melhor da região, a pobreza foi reduzida drasticamente nos últimos 12 anos.



É por tudo isso que o povo venezuelano participou entusiasticamente das comemorações do Bicentenário da Independência da Venezuela, saindo às ruas às dezenas de milhares. Ao vibrar com a parada das forças militares do país, estavam saudando a independência e a soberania atual da Venezuela. Este é, a par da melhoria das condições de vida da população em geral, um dado essencial. Ao abrir o dia festivo de 5 de julho, tendo ao lado os comandantes das Forças Armadas, da Guarda Nacional e da Milícia Popular, o presidente Chávez declarou: “Não tínhamos melhor maneira para comemorar esse dia que o celebrando sendo independentes como somos, já não somos colônia de nenhum império nem o seremos nunca.”



A independência, porém, levou uma década para se consolidar, sendo concretizada finalmente em 24 de junho de 1821 quando as tropas comandadas por Simon Bolívar derrotaram definitivamente as espanholas na Batalha de Carabobo.



Igualmente, a próxima década – de 2011 a 2021 – terá por escopo consolidar o processo revolucionário bolivariano socialista. Chávez deve agora priorizar sua saúde, continuar governando mais apoiado em seus auxiliares e lançar-se com ímpeto na campanha eleitoral de 2012.  Sua visão estratégica, seu elã e capacidade política de gerar iniciativas que fortalecem a união dos povos latino-americanos e do Caribe, como a Alba, Petrocaribe, Telesur e diversas outras, fazem de Chávez um protagonista na luta pela total independência e integração de Nossa América.



Mas a história ensina também que, ao longo dos próximos anos, faz-se mister que novas lideranças, provadas e capazes, surjam para levar adiante as bandeiras da soberania, da justiça social, da democracia, da paz e fraternidade entre os povos, da mãe-Terra, do socialismo enfim.



Max Altman
07 de julho de 2011

 

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As surpresas e a força de Dilma


As mesmas forças políticas conservadoras que perderam as três últimas eleições presidenciais no Brasil têm usado sua ascendência sobre a mídia com muita habilidade para criar uma sensação de que Dilma teria perdido o controle de seu governo. Nada mais falso, como mostraram as últimas decisões da presidente.




Passado o momento mais agudo da crise que culminou nas mudanças ministeriais determinadas pela presidente Dilma Rousseff, agora é chegada a hora de as forças progressistas que sustentam seu projeto político desarmarem a bomba propagandística de parte da grande imprensa que tenta sugerir ao país a existência de um governo fraco. As mesmas forças políticas conservadoras que perderam as três últimas eleições presidenciais no Brasil têm usado sua ascendência sobre a mídia com muita habilidade para criar uma sensação de que Dilma teria perdido o controle de seu governo. Nada mais falso, como mostraram as últimas decisões da presidente.

Após a longa hesitação que antecedeu a saída do ex-ministro Antonio Palocci, Dilma compensou ao acertar duas vezes. Ao convocar a senadora Gleisi Hoffmann para a Casa Civil e afirmar que a pasta voltará a ter funções mais voltadas ao gerenciamento e execução de políticas públicas, a presidente repete o gesto feito há seis anos pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando convocou a ela própria para substituir o então chefe da Casa Civil, José Dirceu. Sem entrar no mérito dos motivos que levaram à substituição de Dirceu, o fato, já histórico, é que a chegada de Dilma ao principal ministério deu início a um ciclo virtuoso do governo que propiciou a Lula um segundo mandato muito melhor do que o primeiro.

Lula acertou em 2005 e agora Dilma acerta também. Em que pesem os comentários preconceituosos sobre uma suposta falta de estofo político de Gleisi para o cargo ou até mesmo sobre seu jeito de “trator”, “durona” e “esquentadinha” (alguém lembra desse filme?), a senadora paranaense tem o exato perfil para recolocar a Casa Civil em um caminho muito bem trilhado sob o comando da própria Dilma no governo Lula. Além da competência administrativa comprovada em Itaipu ou quando foi secretária de governo no Mato Grosso do Sul, Gleisi parece ter a independência política necessária para cumprir o papel que dela espera a presidente. A surpresa causada por sua nomeação é fruto dessa independência e isso é um bom sinal.

A segunda surpresa - e o segundo acerto - foi o desfecho dado por Dilma para a substituição do ministro Luiz Sérgio na Secretaria de Relações Institucionais. Esse acerto, entretanto, não se dá tanto em função da substituta, que ainda terá de provar competência na nova função, mas sim pelo fato de a presidente ter jogado um balde de água gelada na crise de histeria em que já começava a se transformar a atuação da bancada do PT na Câmara dos Deputados. A ex-senadora catarinense Ideli Salvatti tem todos os predicados para obter sucesso em sua missão na articulação política do governo, mas isso dependerá fundamentalmente de uma mudança de postura do principal partido governista no Congresso Nacional.

Após essas duas movimentações acertadas feitas pela presidente no tabuleiro ministerial, é hora de os parlamentares do PT relegarem a um segundo plano a disputa mais imediata por espaço e começarem a atuar como esteio político para as duas novas ministras. No Senado, origem de Gleisi e Ideli, tudo parece mais fácil. Na Câmara, um maior esforço de coesão dos petistas é necessário. Foi a falta dessa coesão que minou Luiz Sérgio, muito mais do que uma suposta fraqueza do deputado fluminense, como apregoa parte da mídia. O excelente trânsito do agora ministro da Pesca (cargo que trocou com Ideli) entre seus colegas no Congresso já havia sido comprovado no governo Lula, mas Luiz Sérgio esbarrou na divisão da bancada petista na Câmara e também no papel centralizador assumido por Palocci.

A presidente Dilma quer se dedicar a mudar essa realidade e, a exemplo de seu antecessor, passará a acompanhar cotidianamente as negociações políticas com os partidos que apóiam o governo. Mesmo que tenha encontrado em Ideli Salvatti uma figura mais próxima na articulação política e em Gleisi Hoffmann a “Dilma da Dilma”, caberá à presidente conduzir pessoalmente esse momento de reafirmação da força política de seu governo. Dilma deverá ser a partir de agora o “Lula de si mesma” e ninguém que a conhece duvida de que tenha plenas condições de exercer esse papel.

Em sua edição de 8 de junho, o jornal carioca O Globo trazia como manchete: “Palocci cai e enfraquece Dilma com apenas cinco meses de governo”. Pelo que me lembro, é a primeira vez em que um desejo dos donos do jornal, misturado a uma notícia, ganha destaque na primeira página. Enfraquecer o governo Dilma é o maior desejo das forças conservadoras que perderam com José Serra e Geraldo Alckmin as últimas eleições, pois isso significaria uma maior possibilidade da volta dessas forças ao poder. Para quem está do outro lado, para quem apóia o projeto de transformação do Brasil que começou com Lula e tem em Dilma a força de 56 milhões de votos, é tarefa primordial evitar que esse falso enfraquecimento se torne verdade.


Maurício Thuswohl é jornalista.

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O PT E A CRISE DO MINISTRO PALOCCI

Artigo de Elói Pietá – secretário geral nacional do PT

Para os petistas, não sair em defesa de Palocci foi uma reação contra o risco de distanciamento do PT em relação à sua base social. Por isso estamos  com a presidenta Dilma e apoiamos sua dolorosa atitude nesta hora. Mesmo  tendo que perder um ministro tão importante, ou tendo que parecer vencida pela pressão das oposições, ela preferiu não perder o sentido social de seu governo.
 
Os petistas não contestam o direito que Palocci tinha de exercer uma  atividade privada quando saiu do governo em 2006 e de ter sucesso nela. O que causou espanto e levou os petistas a não apoiarem sua permanência no  governo, foi a origem de seus ganhos privados (orientar os negócios de grandes empresas), a magnitude dos resultados (dezenas de milhões de reais), e o alto padrão de vida que ele se concedeu (representado pelo investimento em moradia fora de sua própria origem de classe média).

Nós, petistas, éramos ‘de fora’ nos tornamos ‘de dentro’ do Estado brasileiro. Até hoje a elite rica ou a classe média alta de doutores não simpatiza com ver lá essa geração vinda dos movimentos de trabalhadores. Somos herdeiros dos esforços que o Partido Comunista representou ao levar em 1945 ao Parlamento trabalhadores historicamente excluídosdo poder (por pouco tempo, já que logo posto na ilegalidade). Somos herdeiros daqueles que no início dos anos de 1960 ensaiaram alguma presença no Estado através de suas  lideranças sindicais e de partidos socialistas nascentes (tentativa abortada com  o golpe militar).

Enfrentamos com muitas dificuldades materiais as eleições. Uma após  outra, elegemos homens e mulheres vereadores, deputados, prefeitos, senadores, governadores, até chegar três vezes à presidência da República.  Muitos se tornaram assessores nos parlamentos, nos  governos, diretores,  secretários, dirigentes de empresas públicas, ministros. 

Quando estávamos perto do poder ou nele, as empresas privadas ajudaram nossas campanhas e procuraram nos aproximar delas. Queremos o  financiamento público dos partidos para não depender delas. Respeitamos os empresários, mas com a devida distância. 

Não queremos sair do que fomos. Sabemos que as relações econômicas  e as condições materiais de vida terminam moldando  ideias e ações. São  milenares as reflexões que alertam para isso.  Vamos recordar alguns  exemplos. 

Lá longe, o filósofo grego Platão, em A República,  dizia que os  governantes das cidades-estado não deveriam possuir bens, exceto aquilo de  essencial que um cidadão precisa para viver. Que deveriam ter o ouro e a prata  apenas na alma, porque se fossem proprietários de terras, casas e dinheiro, de guardas que eram da sociedade se transformariam em mercadores e donos de  terras, então, de aliados passariam a inimigos dos outros cidadãos.  

 A Revolução Francesa no fim do século 18 fez brilhar pela ação dos  excluídos as ideias de igualdade, fraternidade e liberdade, contra a concentração da riqueza e do poder nos reis, na nobreza e no clero. É verdade que depois houve a restauração do Império, mas também se fortaleceram as ideias socialistas.

 Marx e Engels, que buscavam a emancipação do proletariado, consideravam que, para modificar a consciência coletiva era preciso modificar a base material da atividade econômica. Não bastava,  portanto, a crítica das ideias, porque o pensar das pessoas reflete seu comportamento material.

 Filósofos sociais posteriores, mesmo aqueles cujas ideias deram suporte ao liberalismo, como Max Weber, falavam de estamentos sociais definidos pelos princípios de seu consumo de bens nas diversas formas de sua maneira de viver.   

Já dizia Maquiavel que a política se altera no ritmo incessante das ondas  do mar. Os partidos tendem a ser como estas ondas: vem de muito longe, vem crescendo, até que um dia se quebram mansamente nas praias ou mais rudemente nos rochedos. Defender vida modesta para políticos vindos da vida modesta das maiorias, é para o PT uma das condições indispensáveis para comandar um processo de distribuição da renda e inclusão das multidões excluídas, embora não a condição única. Para cumprir esta condição e nosso papel, é essencial sermos, como temos sido: fiéis,  na nossa vida pessoal e política, aos milhões e milhões de brasileiros que  tem votado e confiado em nós. É legítimo para nós progredir ao longo da vida, desde que todos cresçam na mesma medida em que o bem-estar do povo cresce.
Voltando ao companheiro Palocci: respeitamos suas opções, admiramos sua competência, reconhecemos seu trabalho a serviço do povo. Mas, pelas razões expostas, o PT mostrou que prefere o político de vida simples que conhecemos, ao empresário muito bem sucedido sobre o qual agora se fala.  

Nesse mix de filosofias sobre a riqueza e seu reflexo no pensamento social, terminamos lembrando o imperativo categórico de Kant: aja de tal modo que a máxima de sua ação possa ser universalizada,  isto é, para que todos sejam iguais a você. Por isso que, para continuarmos a ser um partido dos trabalhadores, não é bom que cultivemos o ideal de empresários.    
 
       
    



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Sanguessugas e vampiros: puniram quem denunciou
                          
                              Por *Lígia Bahia, vice-presidente da ABRASCO, Jornal O Globo, dia 30 de maio de 2011.

A sangria das sanguessugas e vampiros, descobertos em 2004 e 2006, anemiou recursos do Ministério da Saúde durante doze anos. As histórias deixaram o Brasil de pé atrás e continuam nos assombrando. Se, antes, nove e meio entre dez brasileiros desconfiavam que a administração da saúde pública não é flor para se cheirar, os chupadores selaram o diagnóstico. Como os escândalos de corrupção não cessaram - mas há indícios de migração de tais criaturas no interior do Planalto e para as unidades federadas e municípios -, fica-se sem saber de que tipo são os espécimes que andam atacando por aí. A indefinição sobre os responsáveis pelos assaltos sistemáticos e duradouros ao erário público estimula as suspeitas sobre o reagrupamento e mudança das bases logísticas das quadrilhas.
Uma pequena volta no tempo nos fará lembrar que certas atividades ilícitas abrangeram todo o ciclo de atividades de aquisição de bens e insumos pelo Ministério da Saúde. O traço comum dos escândalos é o superfaturamento. Para controlar os preços, emendas parlamentares, licitação e aquisição de ambulâncias, foi necessário arregimentar parceiros no âmbito empresarial, em diversas esferas administrativas, e estabelecer pontes entre o Legislativo e Executivo. Só a expressão crime organizado descreve adequadamente essa rede de poder, que se manteve ao longo de diversas gestões ministeriais e renovou seus adeptos no início do primeiro mandato do presidente Lula.
Os vampiros, que sugaram pelo menos R$27 milhões, foram revelados por investigações da Polícia Federal e denúncias do então secretário executivo do Ministério da Saúde, Gastão Wagner Campos. Duas empresas fornecedoras, técnicos e ocupantes de cargos de confiança do Ministério da Saúde burlaram, desde 1997, os preços de hemoderivados (utilizados para tratamento de hemofílicos). As sanguessugas, também pressentidas inicialmente por técnicos da saúde, causaram um prejuízo de cerca de R$15,5 a R$21 milhões em 2006. A compra de ambulâncias por preços mais elevados em 600 cidades estabeleceu relações de contiguidade com o pagamento de propinas e apoio material às campanhas de vários parlamentares do Congresso Nacional e com o mensalão.
Integrantes de ambas as quadrilhas foram presos, outros processados por improbidade e instados a devolver os recursos indevidamente apropriados. Logo, a maioria constituiu caros advogados de defesa que demonstraram a inadequação de punição a seus clientes inocentes, somente inadvertidos ou colaborativos. Embora as exigências de restituição do dinheiro sejam praticamente inalcançáveis, houve algum prejuízo para os acusados. Uns não se reelegeram nas eleições de 2008, outros tiveram direitos, como o da disponibilidade de bens, suspensos e um ex-deputado, condenado a pagar a pena com trabalhos comunitários, recorreu.
Paradoxalmente, quem foi levado de roldão por essa maré investigativa porque desempenhou cargos executivos no Ministério da Saúde e ainda não foi inocentado está comendo o pão que o diabo amassou. O professor titular da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Gastão Wagner, o mesmo que ativamente contribuiu para acabar com as práticas de malversação de fundos públicos, é campeão de processos. Permaneceu menos de dois anos como secretário executivo e acumula cinco ações civis públicas e uma criminal. Enquanto a dúvida não se esclarece, seus bens - uma casa na qual ele reside com sua família, um terreno pequeno e um carro velho - estão indisponíveis e por três vezes ficou impedido de retirar do banco seu salário de professor. Como é imensamente amável e amado por muitos, professor-pesquisador e cidadão exemplar, a incoerência entre o que está no papel e na vida reteve máculas em sua biografia. No entanto, constatar que a Justiça põe Gastão Wagner no mesmo saco de declarados organizadores do crime deixa uma pontinha de inquietação. Estaria se supondo que as ações dos vampiros e sanguessugas foram desorganizadas? Os rendimentos de um professor universitário são públicos e notórios. O patrimônio do professor Gastão é ínfimo. Qual seria então a utilidade de propor uma medida voltada para impedir o uso desses exíguos bens? De nada vale ser ético até o último fio do cabelo? Basta a assinatura de um documento formal para ser considerado criminoso, mesmo que não haja elo com o que se praticou?
Essas desmedidas tecem mais uma cortina de fumaça, enquanto vampiros e sanguessugas se disseminam ou sofrem mutações. A divisão de cargos técnicos por partidos políticos e o uso da liberação de emendas parlamentares, que concentram parcela considerável de investimentos, como moeda de troca para compor maiorias congressuais levaram a saúde para a berlinda outras vezes em função de contratos irregulares da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e por suspeição de remontagem do cartel de preços. Esses contínuos desfalques setorizados, entretanto, tornaram-se até acanhados perante a magnitude de cifras divulgadas recentemente. A hora-aula de um professor com doutorado, quando remunerada e necessariamente conhecida pela Receita Federal, fica em torno de R$200. A palestra ou a consultoria de um importante ocupante de cargo público não saiu por menos de valores compostos por seis, sete, oito dígitos, pagos à vista. Tudo será retribuído, a prazo com dividendos, mediante políticas públicas focadas no aumento das taxas de retorno de empresários privados. Se as acusações a quem não está implicado em qualquer falcatrua continuarem atulhando processos, ocupando tempo e energia de nossas instituições judiciais, o coeficiente de entropia no monitoramento das ações governamentais não será reduzido nas proporções necessárias à compatibilização das práticas administrativas e partidárias ao efetivo exercício da democracia.


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A bastilha da exclusão


Nos anos 90, a cada dez brasileiros, quatro eram miseráveis. Hoje a proporção é de um para dez. O ganho é indiscutível. Mas o desafio ficou maior: erradicar a miséria pressupõe atingir a bastilha da exclusão que no caso do Brasil tem uma intensidade rural (25,5%) cinco vezes superior à urbana (5,4%).



(*) Artigo publicado originalmente no jornal Valor

Crises funcionam como uma espécie de tomografia na vida dos povos e das nações. Nos anos 80, por exemplo, o fim do ciclo de alta liquidez escancarou a fragilidade de um modelo de crescimento adotado por inúmeros países da América Latina e Caribe ancorado em endividamento externo. Nos anos 90, a adesão ao cânone dos mercados auto-reguláveis expôs a economia a sucessivos episódios de volatilidade financeira que desmentiram a existência de contrapesos intrínsecos ao vale tudo do laissez-faire. O custo social foi avassalador.

A crise mundial de 2007-2008, por sua vez, evidenciou a eficácia de uma ferramenta rebaixada nos anos 90: as políticas de combate à fome e à pobreza, que se revelaram um importante amortecedor regional para os solavancos dos mercados globalizados.

O PIB regional per capita recuou 3% em média em 2009 e o contingente de pobres e miseráveis cresceu em cerca de nove milhões de pessoas. No entanto, ao contrário do que ocorreu na década de 90, quando 31 milhões ingressaram na miséria, desta vez o patrimônio regional de avanços acumulados desde 2002 não se destroçou.

Abriu-se assim um espaço de legitimidade para a discussão de novas famílias de políticas sociais, desta vez voltadas à erradicação da pobreza extrema.

No Brasil, a intenção é aprimorar o foco das ações de transferência de renda, associadas a universalização de serviços essenciais e incentivos à emancipação produtiva. Espera-se assim alçar da exclusão 16,2 milhões de brasileiros (8,5% da população) que vivem com menos de R$ 70,00 por mês.

A morfologia da exclusão nos últimos anos indica que o êxito da empreitada brasileira- ou regional - pressupõe, entre outros requisitos, uma extrema habilidade para associar o combate à miséria ao aperfeiçoamento de políticas voltadas para o desenvolvimento da pequena produção agrícola. Vejamos.

A emancipação produtiva de parte dessa população requer habilidosa sofisticação das políticas públicas.

Apenas 15,6% da população brasileira vive no campo. É aí, em contrapartida, que se concentram 46% dos homens e mulheres enredados na pobreza extrema - 7,5 milhões de pessoas, ou 25,5% do universo rural. As cidades que abrigam 84,4% dos brasileiros reúnem 53,3% dos miseráveis - 8,6 milhões de pessoas, ou 5,4% do mundo urbano.

Portanto, de cada quatro moradores do campo um vive em condições de pobreza extrema e esse dado ainda envolve certa subestimação. As pequenas cidades que hoje abrigam algo como 11% da população brasileira constituem na verdade uma extensão inseparável do campo em torno do qual gravitam. Um exemplo dessa aderência são os 1.113 municípios do semi-árido nordestino, listados como alvo prioritário da erradicação da miséria brasileira até 2014.

Nos anos 90, a cada dez brasileiros, quatro eram miseráveis. Hoje a proporção é de um para dez. O ganho é indiscutível. Mas o desafio ficou maior: erradicar a miséria pressupõe atingir a bastilha da exclusão que no caso do Brasil tem uma intensidade rural (25,5%) cinco vezes superior à urbana (5,4%).

O cenário da América Latina e Caribe inclui relevo semelhante com escarpas mais íngremes. Cerca de 71 milhões de latinoamericanos e caribenhos são miseráveis que representam 12,9% da população regional, distribuídos de forma igual entre o urbano e o rural: cerca de 35 milhões em cada setor. A exemplo do que ocorre no Brasil, porém, a indigência relativa na área rural, de 29,5%, é mais que três vezes superior a sua intensidade urbana (8,3%), conforme os dados da Cepal de 2008.

Estamos falando, portanto, de um núcleo duro que resistiu à ofensiva das políticas públicas acionada na última década. Desde 2002, 41 milhões de pessoas deixaram a pobreza e 26 milhões escaparam do torniquete da miséria na América Latina e Caribe. Essa conquista percorreu trajetórias desiguais: declínios maiores de pobreza e miséria correram na área urbana (menos 28% e menos 39%, respectivamente) em contraposição aos do campo (menos 16% e menos 22%).

Uma visão de grossas pinceladas poderia enxergar nesse movimento uma travessia da exclusão regional em que a pobreza instaura seu predomínio na margem urbana, enquanto a maior incidência da miséria se consolida no estuário rural e na órbita dos pequenos municípios ao seu redor.

A superação da miséria absoluta é possível com a extensão dos programas de transferência de renda aos contingentes mais vulneráveis. Mas a emancipação produtiva de parte desses protagonistas requer habilidosa sofisticação das políticas públicas. A boa notícia é que o núcleo duro rural inclui características encorajadoras: os excluídos tem um perfil produtivo, um ponto de partida a ser ativado. Os governos, por sua vez, tem experiências bem sucedidas a seguir. Entre elas, a brasileira, a exemplo do crédito do Pronaf, e das demandas cativas que incluem o suprimento de 30% da merenda escolar e as Compras de Alimentos da Agricultura Familiar, implantadas nos últimos anos. Não por acaso, a pobreza extrema no campo brasileiro caiu de 25% para 14% entre 2002 e 2010 e a renda do agricultor familiar cresceu 33%, três vezes mais que a média urbana nesse mesmo período.

José Graziano da Silva está licenciado do cargo de Representante Regional da FAO para a América Latina e Caribe.
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Comentários Políticos
Por Wladimir Pomar – 09/05/2001
Texto publicado no Correio da Cidadania

Questões da base

Há muitos anos não tinha a oportunidade de participar de um debate sobre conjuntura, promovido por um núcleo do PT. Eu já não acreditava que núcleos existissem, mas acabei redescobrindo que, como as bruxas, que los hay, los hay. Pelo menos o do Largo do Machado, no Rio, tem sede numa sala, lista de presença e, o que talvez seja o mais importante, reuniões e atividades constantes. Cerca de 30 petistas, alguns jovens, vários maduros, e uns poucos de cabelos brancos, apertados no espaço exíguo, me colocaram diante de perguntas que eu supunha esclarecidas para o conjunto da militância.
 Dilma segue as linhas mestras do PT? O PT vai retomar sua função efetiva e seu papel histórico de organizador e mobilizador social? Como deve ser a relação partido-governo? O partido deve ou não ter autonomia? Como avançar nas reformas de cunho social e ter uma política mais consistente de defesa dos trabalhadores e do povo? Por que a reforma agrária continua como um problema? Qual a relação do governo Dilma com os movimentos sociais? Como ser ouvido pelo partido e pelo governo, inclusive para fazer críticas construtivas? Quais as metas do governo Dilma para educação e combate à pobreza? Vai ser mantida a política internacional do governo Lula, ou vai haver mudanças, segundo a imprensa está repisando? A política cultural vai ter retrocesso, como está parecendo na questão dos direitos autorais? Como ficará a política de câmbio e juros? Vai haver retrocesso na política econômica, com a retomada da elevação dos juros e da compressão do consumo? Vão ou não ser reforçados os mecanismos de democracia direta, em especial nos meios de comunicação? Dá para quebrar os oligopólios da comunicação? Por que o partido proibiu manifestações contra a visita do Obama?
Se os petistas organizados em núcleos estão com perguntas desse tipo, não é difícil imaginar a pauta de dúvidas que o restante da base partidária quer ver atendida, e com certa urgência. É evidente que perguntas desse teor poderiam ser melhor respondidas por dirigentes do PT ou petistas com postos no governo, encargos que este publicista não possui. Por outro lado, não ter tais encargos talvez tenha me permitido uma maior liberdade de expressão e de provocação, no sentido de estimular o raciocínio crítico que sempre marcou a militância petista.
De cara opinei que o governo Dilma não é do PT, embora seja dirigido por esse partido. É um governo de coalizão, ou de aliança, com forças que vão da esquerda até a direita. Portanto, é um governo tanto de cooperação, quanto de competição e luta entre as diferentes forças que o compõem. Cooperação porque há alguns objetivos táticos comuns a todas essas forças, como o desenvolvimento e o crescimento econômicos, a reconstrução industrial e da infra-estrutura, o desenvolvimento agrícola, a inserção e projeção soberana do Brasil no mercado e no cenário mundial. Dizendo de outro modo, cooperação para o desenvolvimento independente do capitalismo brasileiro.
Competição e luta porque há objetivos táticos e estratégicos diferentes. Por exemplo, o desenvolvimento social e o crescimento econômico com distribuição de renda é um objetivo tático, dentro do governo, da esquerda, da centro-esquerda e, talvez, de alguns setores de centro. Mas, com certeza, não de todo o governo. O reforço das empresas públicas estatais e não-estatais como instrumentos de política econômica e social, a reforma agrária e o desenvolvimento da agricultura familiar como suportes da produção e seguridade alimentar, a democratização do capital através do apoio e estímulo às micro e pequenas empresas, o rompimento dos oligopólios para liquidar os preços administrados, e o tratamento dos países sul-americanos e africanos como iguais, são objetivos táticos e, em certa medida, estratégicos, apenas da esquerda e da centro-esquerda do governo. Portanto, mesmo sendo de ordem tática, são objetivos em permanente disputa interna.
Não se trata de disputas de visão ou de conceitos. Trata-se de disputa em que estão em tensão interesses contraditórios. Realizar o crescimento com distribuição de renda significa, em algum momento, que o governo pode ter força social que lhe permita obter ampla maioria para implantar uma reforma tributária progressiva. Isto é, uma reforma em que quem ganha mais paga mais, em que as heranças serão tributadas etc. Ou seja, em que os lucros serão afetados.
Reforçar as empresas públicas estatais e não-estatais como instrumentos de política econômica, com eficiência econômica e capacidade de disputa no mercado, não é apenas um desmentido à idéia de que empresas públicas são ineficientes. É também um atestado de que a sociedade não precisa ficar refém do privatismo. Desenvolver a economia agrícola familiar voltada para a produção de alimentos é um perigo para o domínio que o agronegócio impõe ao crédito agrícola e ao papel que arrota como sustentáculo da nação. Democratizar o capital, com suporte a milhões de micro empresas privadas, embora ainda esteja nos marcos do capitalismo, é uma ameaça frontal ao processo de oligopolização do capitalismo corporativo. E tratar os demais países como iguais é algo que agride o pensamento conservador e nacionalista de direita.
Portanto, nessas questões de ordem tática estão envolvidos processos de ordem estratégica, relacionados com perspectivas populares, democráticas e socialistas. São questões que envolvem milhões de pessoas e, portanto, têm desdobramento não apenas econômico e social, mas também político. Quem pensa que os aliados situados mais à direita não estão atentos a tais detalhes certamente está enganado. Em suma, tenhamos ou não consciência sobre o que está em jogo no governo de coalizão, a disputa interna dentro dele se relaciona tanto com interesses imediatos, quanto com profundos interesses de longo prazo.
Nesse sentido, o problema não consiste em saber se Dilma segue as linhas mestras do PT. Consiste em saber se os petistas e outros militantes de esquerda, que estão no governo, no congresso e em outros órgãos de poder, em conjunto, têm consciência clara do que está em disputa. Isto é particularmente importante porque nos encontramos numa fase da história do país em que aumentou consideravelmente a participação política das camadas sociais, seja em eleições, seja em
outras formas de participação política, mas reduziram-se, também consideravelmente, suas mobilizações massivas.
Há os que acusam o governo petista de ser responsável por essa desmobilização social, ao colocar em ação seus programas sociais. Supõem que se o povo estiver pior se mobiliza com mais facilidade, o que a história já demonstrou ser falso, tanto no Brasil quanto em muitos outros países. Por outro lado, há muita gente que espera que o governo tenha poder de mobilização e aja nesse sentido. O que apenas põe a nu o velho viés voluntarista sobre a capacidade subjetiva de mobilizar o povo.
O povo tem seu próprio ritmo de aprendizado e mobilização, e decide o momento em que deve transformar suas reivindicações, aspirações e descontentamentos em ações massivas, independentemente de governo, partidos e lideranças, como mostraram as grandes revoltas e mobilizações dos povos do norte da África. Mas isso é assunto para a próxima semana.

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Caro jornalista Eugênio Bucci, os fatos são terrivelmente teimosos



                                                                                                                              Max Altman

O professor de jornalismo Eugênio Bucci vive apregoando pelos quatro cantos a defesa de um jornalismo isento, com base na verdade, objetivo, não manipulado. E o que vemos em seu artigo “O fundamentalismo do Estado cubano ( Estado de S. Paulo, p. A2, 21 de abril) que aborda o VI Congresso do Partido Comunista de Cuba recém realizado? Não há qualquer isenção, a verdade é agredida, a objetividade, esquecida, se enreda em fantasias tortuosas e a manipulação é grosseira. Convido o leitor a percorrer o Herald Tribune, o El Nuevo Herald, o Diario de las Americas, porta-vozes em Miami das organizações cubano-americanas contrarrevolucionárias, e não encontrará sequer algo parecido em termos de desonestidade. Enfim, não é um texto de mestre da Escola de Jornalismo da USP e sim um panfleto que retrata sua atual inclinação ideológica.

O professor Bucci decretou a morte física e política de Cuba: “A renovação anunciada no congresso dos comunistas cubanos é a antessala da morte. Física e política.” Não é o que pensa Catherine Ashton, Alta Representante de Política Exterior da União Europeia e vice-presidente da Comissão Europeia, a mesma que defende ardorosamente a participação dos países europeus na guerra civil da Líbia. A Europa Press informa que ela seguiu com interesse o Congresso e disse que a União Europeia celebra o anúncio de reformas econômicas feito pelo regime de Raúl Castro e considera que o anúncio do PCC “indica que há avanços significativos na frente econômica e apontam progressos remarcáveis também no plano político.”

Aí o professor resolve debochar da história e dos personagens da história: “Na década de 1950, Raul e Machado Ventura davam tiros em Sierra Maestra.”  Raul, 27 anos, Ventura, 28. Além desses dois, também ‘davam tiros’ Fidel, 32, Che, 30, Camilo, 27. Os tiros desses jovens guerrilheiros derrubaram o governo sanguinário, corrupto e repressor de Fulgêncio Batista e seu exército, apoiado por Washington e fizeram triunfar a Revolução Cubana. Esses mesmos heroicos combatentes foram os mesmos que há 50 anos na Playa Girón infligiram a primeira derrota do imperialismo na América. E a América Latina toda ficou um pouco mais livre e independente.

Diz mais o professor que “em Cuba, o Estado geriátrico é o reflexo do envelhecimento do regime”. Deve ou deveria ter visto por canais interativos, You Tube, Telesur e outros, o desfile militar e a marcha dos habitantes de Havana na manhã de 14 de abril.  Somente alguém insensível ou movido pela intolerância e pelo ódio político não se sentiria tocado pelo entusiasmo de imensos contingentes juvenis e estudantis diante de uma multidão de centenas de milhares que tomou a gigantesca Praça da Revolução. Não marchavam para protestar nem para pedir a renúncia do governo e sim para apoiá-lo e alentá-lo e para dizer que seguem em frente na defesa do socialismo. O presidente Raul Castro expôs no Congresso, com a dureza necessária, algumas questões fulcrais: uma deles é modificar a mentalidade, quebrar esta barreira psicológica nos quadros do partido, como pré-condição para a efetivação das grandes mudanças propostas. A outra a incapacidade, que Raul chamou de vergonha, de ir criando quadros para substituir a geração histórica. O novo Comitê Central de 115 membros já registra uma renovação profunda em termos etários e uma proporcionalidade próxima da realidade demográfica no número de mulheres, negros e mestiços.

O professor sustenta que “Cuba só se converteu na tirania que é hoje – caquética, mas de pé – porque soube transformar a militância que a sustenta, dentro e fora da Ilha, numa seita religiosa” Que seita religiosa é essa que durante três meses, de primeiro de dezembro de 2010 a 28 de fevereiro, decidiu discutir os “dogmas”, desencadeando um debate, no qual participaram 8 milhões 913 mil 838  pessoas, parte delas repetida -  em mais de 163 mil reuniões efetuadas no seio de diferentes organizações, registrando-se uma una cifra superior a três milhões de intervenções. Foi um verdadeiro e amplo exercício democrático, o povo manifestou livremente suas opiniões, esclareceu dúvidas, propôs modificações, expressou suas insatisfações e discrepâncias e também sugeriu abordar a solução de outros problemas não contemplados no documento. Com isso mais de dois terços dos parágrafos foram emendados com contribuições partidas da base. Significativo contraste com o que se pratica nas democracias de livre mercado onde, despoticamente, sem consulta alguma aos afetados, se hipoteca o futuro de gerações com os planos de ajuste e “reformas” de modo a continuar enriquecendo uma elite insensível e ambiciosa.

,O professor Bucci, do alto de sua cátedra, determina que “o capital deve conseguir seu visto de entrada nos domínios dos Castros, mas para lá vai mandar apenas o seu lado selvagem: desemprego, especulação, insegurança.”  A resposta do governo da Revolução, reafirmada no VI Congresso, é que não deixará nenhum cubano desamparado e o sistema de atenção social se está reorganizando para assegurar a proteção diferenciada e racional daqueles que realmente necessitem. Em vez de subsidiar maciçamente produtos, como se faz agora, se passará progressivamente ao apoio de pessoas sem outro meio de sustento.

Como Bucci insiste na “decrepitude do PCC” vale lembrar que  o Birô Político reflete uma adequada proporção de chefes principais das Forças Armadas Revolucionárias. É natural que assim seja, pois o Exército Rebelde foi a alma da Revolução, transferindo posteriormente ao partido e ao exército a defesa das conquistas da revolução. Hoje uma das preocupações centrais ainda é a defesa da soberania, da independência de Cuba, e fazer ver a setores externos que Cuba está disposta a tudo para defender seus ideais. O Birô Político se compõe de 15 membros. Nele ingressaram 3 novos membros: Mercedes López Acea, 46, Primeira Secretária do Comitê Provincial do partido em Havana; Marino Murillo Jorge, 51,  vice-presidente do Conselho de Ministros e Chefe da Comissão Permanente do Governo para a Implementação e Desenvolvimento e Adel Yzquierdo Rodríguez, 63,  recentemente nomeado Ministro de Economia e Planificação.

A média etária do Birô Político é de 67 anos e vale lembrar que a Conferência do partido em janeiro próximo, recebeu do Congresso a responsabilidade de abordar a fundo o problema da renovação. E se só de idade se tratar, poderia trazer à baila uma comparação. O Sr. José Serra teria hoje como presidente da República – se ganhasse as eleições, é claro – 69 anos, dois a mais que a média do colegiado acima.

Finalmente, o professor Bucci expressa que “em Cuba não é todo o poder que emana do povo” e que a Constituição cubana consagra “o princípio do expansionismo internacional da doutrina que professam e a identificação clara do inimigo, cuja figura maligna serve para justificar a supressão das liberdades internas.” Ele sabe, porque à época estava mais próximo dos ideais da Revolução Cubana, que há muito Havana abandonou  a doutrina da “exportação da revolução”. Quanto ao inimigo, que Bucci em nenhum momento menciona com todas as letras como se não fosse real e que não tivesse desde os primórdios do triunfo da revolução estabelecido um bloqueio político, econômico e financeiro e que ao logo dos anos patrocinou invasões, sabotagens, assassinatos, provocações, ingerências. Ou o ilustre professor acha que nos Estados Unidos o poder emana do povo quando se trata de fazer guerra, invadir países, defender déspotas, e mesmo abonar o sistema financeiro com trilhões, e não do complexo militar-industrial - expressão cunhada pelo presidente Eisenhower – e seus representantes no parlamento. Bastaria recordar ao Sr. Bucci o conteúdo de um memorando secreto, desclassificado em 1991, do Subsecretário Adjunto de Estado para os assuntos interamericanos, Lester D. Mallory, de 6 de abril de 1960. Cito textualmente:: “A maioria dos cubanos apoia  Castro [...] Não existe uma oposição política efetiva [...] O único meio possível para fazê-lo perder o apoio interno [ao governo] é provocar o desengano e o desalento mediante a insatisfação econômica e a penúria [...] Há que se pôr em prática rapidamente todos os meios possíveis para debilitar a vida econômica [...] negando a  Cuba dinheiro e fornecimento de bens com o fim de reduzir os salários nominais e reais, com o objetivo de provocar fome, desespero e o derrocamento do governo”. Observem a data do memorando, 6 de abril de 1960, quase um ano antes da invasão de Playa Girón.

Desconfio que na raiz desse comportamento raivoso de Bucci e de outros articulistas recém embarcados no neoliberalismo e da grande mídia em geral está a determinação do governo de Cuba, manifestada nas palavras de Raul Castro, que assumiu sua última tarefa com a firme convicção e compromisso de honra de que o Primeiro Secretário do Comitê Central tem como missão principal e sentido de vida defender, preservar e prosseguir aperfeiçoando o socialismo e não permitir jamais o regresso do regime capitalista.


                                 *Max Altman integra o coletivo da Secretaria de Relações Internacionais do PT

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Drogas, por um debate aberto e sereno

                                                     Paulo Teixeira (*)
 
No domingo (17/4), fui surpreendido pela capa deste jornal com os dizeres "Petista defende uso da maconha e ataca Big Mac".
Como o petista, no caso, era eu, e minhas posições sobre política de drogas no Brasil são mais complexas do que a matéria publicada, achei por bem do debate público retomar o tema, com a seriedade e a profundidade que merece.
A reportagem se baseou em frases pinçadas de palestra minha em seminário sobre a atual política de drogas no Brasil, há dois meses.
Lá, como sempre faço, alertei para os perigos do uso de drogas, sejam elas ilícitas ou não. Defendo a proibição da propaganda de bebidas alcoólicas e a regulação da publicidade de alimentos sem informações nutricionais. A regulamentação frouxa fez subir o consumo excessivo de álcool. O cigarro, com regulamentação rígida, teve o consumo reduzido.
Não defendo a liberação da maconha. Defendo uma regulação que a restrinja, porque a liberação geral é o cenário atual. Hoje, oferecem-se drogas para crianças, adolescentes e adultos na esquina. Como pai, vivo a realidade de milhões de brasileiros que se preocupam ao ver seus filhos expostos à grande oferta de drogas ilícitas e aos riscos da violência relacionada a seu comércio.
Por isso, nos últimos 15 anos, me dediquei ao tema, tendo participado de debates em todo o Brasil, na ONU e em vários continentes.
A política brasileira sobre o tema está calcada na Lei de Drogas, de 2006, que ampliou as penalidades para infrações relacionadas ao tráfico e diminuiu as relacionadas ao uso de drogas.
É uma lei cheia de paradoxos e que precisa ser modificada. Não estabeleceu, por exemplo, clara diferença entre usuário e traficante.
Resultado: aumento da população carcerária, predominantemente de réus primários, que agem desarmados e sem vínculos permanentes com organizações criminosas.
Do ponto de vista do aparelho estatal repressivo, há uma perda de foco. Empenhamos dinheiro e servidores públicos para acusar, julgar e prender pequenos infratores, tirando a eficácia do combate aos grandes traficantes.
Outros países têm buscado formas alternativas de encarar o problema. Portugal viveu uma forte diminuição da violência associada ao tráfico por meio da descriminalização do uso e da posse. Deprimiu-se a economia do tráfico e conseguiu-se retirar o tema da violência da agenda política, vinculando as medidas ao fortalecimento do sistema de tratamento de saúde mental.
Na Espanha, há associações de usuários para o cultivo de maconha, para afastá-los dos traficantes. A única certeza é a de que não há soluções mágicas. Nossos jovens usuários não podem ter como interlocutores a polícia e os traficantes.
É preciso retirar o tema debaixo do tapete e, corajosamente, trazê-lo à mesa para que famílias, educadores, gestores públicos, acadêmicos, religiosos e profissionais da cultura, da educação e da saúde o debatam. Esta posição é exclusivamente minha, não é em nome da liderança do PT.
Não tenho, conforme sugeriu a Folha, divergências com a postura da presidenta da República sobre o tema. Aplaudo os esforços extraordinários do governo Dilma no combate ao narcotráfico e na ampliação dos serviços de saúde de atenção aos usuários de drogas. Nesse sentido, sugiro ao governo que eleja uma comissão de estudos de alto nível para ajudar nessa discussão.
A questão não pode ser tratada de forma rasa. O debate público sobre as políticas de drogas deve envolver o conjunto das forças políticas e sociais de todo o país.



PAULO TEIXEIRA, 49, advogado, é deputado federal (PT-SP) e líder do Partido dos Trabalhadores na Câmara.

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Comentários Políticos
                              Por Wladimir Pomar - 18/04/2001
Sem tréguas

Nem bem passaram cem dias de governo Dilma e já assistimos a umacampanha orquestrada para demonstrar a sua incompetência. Essacampanha começou com a unção do senador Aécio Neves como novaliderança nacional do PSDB, aparentemente com o apoio de Serra. Aécio atacou desabridamente o PT, comparando-o negativamente ao PSDB.
Depois disso, surgiu o estudo de um pesquisador de um organismo estatal, apontando que as obras dos aeroportos, para atender ao crescimento da demanda de transporte aéreo, seja pelo aumento do poder de compra da população de baixa renda, seja pelo afluxo de visitantes para a Copa do Mundo e as Olimpíadas, não ficariam prontas a tempo para a Copa. Coincidentemente, no dia seguinte, apareceu ao vivo a propaganda política do PSDB, acusando o governo de incompetência nas obras e insinuando que há algo de errado (não chegou a dizer de podre) nesses projetos.

No mesmo período, um grande órgão da imprensa noticiou que o governo não tratará mais da inflação, com base na leitura transversa da declaração de alguma autoridade ou pesquisador. Coincidentemente, logo depois, a propaganda política do PSDB acusou o governo de incompetente no controle inflacionário, algo que, segundo ela, estaria resolvido desde 1994 (a memória curta impede a oposição de reconhecer o estouro inflacionário do final de governo FHC), e que haveria algo de errado (ou de podre?) nessa questão. Essas dobradinhas coincidentes estão ocorrendo em relação a diversos outros assuntos, como o enfrentamento da crise econômica global, iniciada em 2008, o baixo crescimento das taxas de investimento, a desindustrialização, a queda na balança comercial e qualquer outro assunto que possa servir para atacar a suposta incompetência do governo e insinuar que existe algo de podre no reino petista. Algum especialista, do governo ou não, ingenuamente ou não, planta um estudo crítico. Isso, ou algum ponto tirado do contexto, logo se torna manchete num dos órgãos da grande imprensa. E, imediatamente ou mais tarde, se torna peça de propagando do PSDB, DEM ou algum de seus aliados.

Em outras palavras, a idéia de que a oposição continuaria desarticulada, dividida e inativa por um longo período já não tem mais sentido. Seus componentes chegaram a um acordo tácito para a guerra publicitária contra o PT e a pressuposta incompetência do governo Dilma. É lógico que essa campanha se choca com a realidade, mas ela pode ser acompanhada de sabotagens e trabalhos de sapa no interior do Estado. E alguns de seus argumentos jogam com interesses díspares, podendo encontrar ressonância em setores sociais e políticos que,
neste momento, fazem parte do campo aliado. Portanto, não se pode deixar que apenas o tempo demonstre que a oposição reacionária está assacando mentiras e inverdades.

Tomemos o caso das taxas de investimento. Em termos percentuais, o governo Lula não conseguiu ultrapassar os 19% do PIB, quase a mesma taxa anual de investimento do período FHC. A direita tem se aproveitado do discurso da ultra-esquerda, que acusa Lula de haver mantido uma taxa de investimento semelhante à de FHC, o que comprovaria que Lula e FHC teriam sido idênticos. É verdade que essa taxa é relativamente baixa para alavancar um crescimento econômico sustentável. No entanto, tanto a direita quanto a ultra-esquerda escondem que a natureza dos investimentos no governo Lula foi radicalmente diferente dos investimentos no governo FHC. Neste, os investimentos foram realizados principalmente para a compra de empresas estatais e privadas brasileiras e para o jogo especulativo na bolsa de valores. No governo Lula, embora não tenha sido fechado o cassino da especulação financeira, a privatização dos bens públicos foi paralisada e os investimentos diretos foram direcionados para a instalação de novas plantas industriais. Nesse sentido, a acusação de Dilma continuar pondo em prática uma política de desindustrialização é, na melhor das hipóteses, propaganda enganosa, que mereceria sanções do Conar. Na verdade, por trás dela há uma intrincada teia de interesses de corporações estrangeiras e empresas mistas e brasileiras, que se sentem ameaçadas pela concorrência chinesa. Bobagens como a acusação de que o governo só se preocupa com investimentos no agronegócio, na mineração e no pré-sal, na perspectiva de vender soja, minérios e petróleo para o dragão China, são repetidas à exaustão, às vezes por economistas e politólogos de certo renome.

Tanto no governo Lula, quanto nos primeiros meses de governo Dilma, a preocupação com o processo de industrialização se expressou no PAC; na decisão política de sediar a Copa, as Olimpíadas e vários outros eventos internacionais, indutores de modernização da infra-estrutura (totalmente sucateada durante os 12 anos de governo neoliberais); e, agora, na decisão de visitar a China para dar um novo salto nas relações comerciais, econômicas, científicas, tecnológicas, sociais, culturais e políticas com aquele país.

Assim, não é por acaso, ignorância ou ingenuidade que o PAC, as commodities agrícolas e minerais, as obras para a Copa e as Olimpíadas, e as relações com a China, se tornaram um emaranhado intrincado de acusações, desinformações e desqualificações. Esse emaranhado engloba a suposta comprovação de que o PAC não teve qualquer efeito real sobre o desenvolvimento econômico. Engloba também a acusação de que a exportação de commodities agrícolas e minerais representa um retorno à condição do país como produtor exclusivo de produtos primários, o que alguns economistas chamam de
re-primarização.
O governo Dilma, além disso, não teria competência para entregar as obras comprometidas com a FIFA e o COI no tempo aprazado. E, quanto à China, esta pretenderia usar no Brasil a mesma estratégia que estaria utilizando em outros países da América do Sul, da África e da Ásia, para controlar as fontes de matérias-primas e criar mercados para seus bens e serviços de alto valor agregado. O governo Lula, assim como o governo Dilma, estariam entregando o Brasil à China. Com base nessa tese, não foram poucos os comentaristas econômicos e
políticos que tentaram pautar os temas que a presidenta deveria tratar com os chineses, estimulando-a a interferir nos assuntos internos daquele país, com a mesma naturalidade com que apóiam a interferência dos Estados Unidos e outras potências estrangeiras nos assuntos
internos do Líbia, Egito etc etc, e do próprio Brasil Portanto, mal começou na presidência, Dilma já se vê sob o fogo cruzado da oposição reacionária e de setores múltiplos, que pretendem traçar o rumo do desenvolvimento econômico e social brasileiro segundo seus próprios interesses. O que impõe, tanto aos petistas, quanto à esquerda em geral, aprofundar-se mais nesses assuntos, porque a tendência não é de trégua ou amainamento. Afinal, os Estados Unidos e a Europa não conseguiram sair da crise e pretendem descarregar o ônus dela sobre os outros. Quem pensa que o Brasil vive uma trégua generalizada, e está fora dos objetivos daquelas potências, certamente será apanhado de surpresa.


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Cuba: entre socialismo e mercado
                                                                           *Roberto Savio
 
O processo de mudança em Cuba deu vida a análises muito radicais, onde uma parte da esquerda denuncia a traição ao socialismo, e certa parcela direita comemora o fracasso do regime. Vistas daqui, as coisas não são tão simples assim, pelo contrário.
 
Desde que Raúl Castro assumiu o comando, em julho de 2006, sua principal preocupação tem sido obter números confiáveis sobre a economia. Em uma reunião do comitê central, chegou ao ponto de dizer “não sou tão bom quanto meu irmão” e, desde então, admitiu que teria de levar em conta essa realidade.

De fato, os dados que Fidel manejava eram os que seus assessores lhe fabricavam, destinados a um mundo ideal no qual ele acreditava firmemente.
 
O resultado: não há mais recursos para seguir dando gratuitamente a 12 milhões de pessoas educação, saúde, habitação, eletricidade, água, almoço no trabalho e uma carteira para alguns alimentos. Cuba não tem indústrias significativas; 50% das terras férteis estão ociosas e o único mineral, o níquel, já foi vendido ao Canadá, graças a um péssimo acordo feito há muito tempo. Descobriu-se petróleo, mas não há recursos para explorá-lo imediatamente. O embargo norte-americano, embora se exagere absurdamente sobre seus efeitos, tem impacto real sobre o turismo. Cuba exporta serviços, sobretudo médicos, em troca de petróleo venezuelano.
 
Como consequência, se debate por todo o país alguns “alinhamentos para o plano qüinquenal”, que serão adotados no Congresso do Partido Comunista (PPC) em abril. O debate criou um clima de franqueza, críticas e propostas, o que por si só é uma novidade absoluta. Resta saber quantas modificações serão introduzidas no texto original que circula.
 
Os alinhamentos implicam em um valente esforço para manter um cenário socialista, aceitando a nova realidade. Cuba segue sendo socialista, mas se reconhece a necessidade de maior produtividade, ajustes e utilização da colaboração individual dos cidadãos.
 
Entre as várias ideias, creio que são três as mais importantes. Primeira: o PPC deixará a direção e produção econômicas, que serão responsabilidade do Estado. Segunda: o Estado descentralizará todos os níveis possíveis, buscando, no processo, cortar custos e eliminar desperdícios. Terceiro: o cidadão se transformará em um motor do crescimento, tomando iniciativas “por conta própria”.
O trabalhador autônomo é a grande novidade. Não é uma abertura para a criação do setor privado, mas sim a possibilidade que os indivíduos possam exercer atividades econômicas (não empresas), e organizem cooperativas de primeiro e até segundo nível (para compra e venda de serviços comuns).
 
Isto se acompanha com a redução do setor estatal, que até agora era o único empregador. Serão demitidas, acredita-se, até 1.300.000 pessoas, que provavelmente se tornarão autônomas.
 
Desse total, 500 mil já estão sendo despedidas. Em minhas viagens pelo país, estimei que os cortes de pessoal de hotéis, jardins botânicos, entre outros, se situavam em 20%. O Estado está outorgando licenças comerciais a todos que lhe pedem. Quantos desses demitidos se transformarão em empresários individuais, sem possuírem um plano de microcréditos (já não há recursos) e sem terem acesso a matérias-primas (escassas e de difícil importação)? Estamos ainda para ver.
 
Em meus encontros com teóricos do PPC, se enfatizou que Cuba deixava o centralismo democrático, herança soviética, para construir um caminho socialista próprio, a descentralização democrática e socialista. As decisões se tomarão na base, e as pessoas terão maior responsabilidade no percurso do caminho socialista. Mas no novo Plano Quinquenal, os recortes a nível local serão parte do planejamento central.
 
Algumas conclusões me parecem indiscutíveis. Iniciou-se em Cuba um clima de debate e franqueza sem precedentes. Não se abre um setor de empresas privadas, mas se introduz um certo nível de mercado. E embora se busque atrair investimentos estrangeiros, se anunciam rigorosos e duros controles (o que não é a melhor maneira de atraí-los). Supõe-se caber a esse momento do trabalhador autônomo, gerado por demissões em massa, o mecanismo para aumentar a produção reduzindo custos.
 
Claramente este é o resultado de um compromisso entre duas alas do partido e do governo: a ortodoxa tradicional, que pretendia manter-se nesse sistema com mais de 50 anos, mas que, frente à realidade, aceita dar alguns passos em direção à competitividade e à eficiência na busca por uma saída para a crise; e a ala reformadora e modernizante. Muitos dizem que desta maneira, a velha guarda (que em oito a dez anos terá desaparecido), busca mudar o menos possível para que seu mundo perdure enquanto eles viverem.
 
Acredito que este é um processo irreversível. A maioria dos cubanos viu o que se passou com a queda do comunismo soviético e a chegada dos Ieltsins. Sabem que depois do comunismo viria a seguir um capitalismo ultra selvagem, com um elemento adicional tipicamente cubano: os cerca de dois milhões de cubanos na Flórida, todos ferozmente competitivos, em sua maioria republicanos de direita, com capital e um grande sentimento de revanche que alimentam desde sua saída da ilha. Um exemplo: em Miami há 12 estúdios de arquitetura com o mapa de Havana dividido em 12 seções, que já têm a lista de repartição da cidade preparada para uma grande operação imobiliária que a transformaria em uma cópia de Miami. Para realizá-la, contam com dinheiro e know-how.

Em troca, os cubanos de Cuba, que não contam nem com o capital nem com a experiência de uma sociedade capitalista, temem que os cubanos de Miami voltem, recuperem suas casas e seus bens (desalojando a muitos que não saberão para onde ir) e se apoderem da economia insular em nome da democracia, da modernidade e do famoso livre mercado.
 
Terão de esquecer os livros por 25 centavos e o cinema de dez centavos, assim como o ballet, os museus, todas as manifestações artísticas e desportivas, a assistência médica, a educação, todas atividades praticamente gratuitas. Os cubanos ganham atualmente quase 40 dólares mensais. Quando passarem a pagar pelos preços reais dessas coisas, os aposentados morrerão de fome. E, em pouco tempo, os cubanos passariam de pobres a miseráveis.
 
Entretanto, Raúl tem razão. Em 1932, sem automóveis e com carros de boi como meio de transporte e quatro milhões de habitantes, Cuba produzia oito milhões de toneladas de açúcar. Hoje, com 12 milhões de habitantes e infraestruturas modernas, só chegam a um milhão e meio. Antes da revolução, havia seis milhões de pessoas e 12 milhões de vacas. Hoje é o contrário. Oitenta por cento do material de construção é importado, assim como 32% dos alimentos. Simplesmente não há dinheiro para continuar com a quimera da revolução.
 
Ninguém pode prever o que vai acontecer. Com sorte, alguns setores socialistas permanecerão e os sofrimentos serão menores. Mas o novo socialismo significará que a imensa maioria das pessoas terá de aceitar ser realmente pobre, e isto, com as imagens que chegam do sonho americano a apenas 90 milhas de distância, não será possível.
 
A ironia é que tudo isso acontece justamente quando o mito do sonho americano está em declínio, lento, porém irreversível, em razão dos golpes da realidade econômica dos Estados Unidos. Seria interessante voltar a analisarmos a situação em 2016, na fase de conclusão do Plano Quinquenal, e ver onde estaremos...
 
* Artigo publicado originalmente no site OtherNews. Roberto Savio é editor do OtherNews, fundador e presidente emérito da agência de notícias IPS (Inter Press Service).





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Oportunidade e oportunismos: teoria e prática em Políticas Culturais no PT
                                                                                                         
                                                                                                                    *Morgana Eneile

Texto de Idelber Avelar publicado no site da Revista Fórum em 5 de abril traz à tona questões que merecem esclarecimento. Ou o autor desconhece o processo histórico de construção política e programática do PT – ignorando as relações do partido com suas bases, seus governos e lideranças - ou omite deliberadamente essa trajetória com o objetivo de comprovar seu equivocado raciocínio, segundo o qual os avanços na Cultura, durante o Governo Lula, teriam ocorrido “apesar “do PT.
O instrumental político do Partido dos Trabalhadores serviu e serve de base para a construção de muitas políticas em implantação no Ministério da Cultura - construção que não nasce do Governo, mas existe desde o início do PT, com a adesão de diversos intelectuais e artistas ao nosso projeto de país, no que se refere às questões culturais e para além delas.
Data da década de 80 a primeira publicação do partido sobre o tema, denominada “Política Cultural”, com contribuições de Antonio Candido, Edélcio Mostaço, Lélia Abramo e Marilena Chauí. O livro foi editado pela Fundação Wilson Pinheiro, instituição anterior à Fundação Perseu Abramo.
É interessante notar que o texto de Avelar aponta para a suposta “ausência” do PT justo no momento em que a Fundação Perseu Abramo - criada em 5 de maio de 1996 – lança duas novas publicações sobre a temática: As Políticas Culturais e Governo Lula, de Albino Rubim, reconhecido estudioso da temática na UFBA e atual Secretário de Estado de Cultura da Bahia; e a coletânea de textos A Criação de um novo futuro na Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia, Esportes e Juventude, da Coleção Brasil em Transformação 2003-2010, resultado de oficinas entre diferentes construtores das políticas.
A trajetória do PT enquanto gestor da Cultura não se iniciou no governo Lula. Aquilo que convencionamos chamar de ‘O modo Petista de governar’ começou nas gestões locais e vem se consolidando no plano nacional. No início do governo Lula, o Ministro Gilberto Gil citou o programa de governo “A imaginação à Serviço do Brasil”, construído por diversos segmentos e muitos gestores locais como Márcio Meira, Hamilton Pereira, Antonio Grassi, João Roberto Peixe, Sérgio Mamberti, Margarete Moraes, Marco Aurélio Garcia e muitos outros colaboradores. Boa parte das perspectivas adotadas, como o conceito das três dimensões da Cultura – simbólica, cidadã e econômica – ou a visão antropológica do fazer-saber cultural, estão presentes neste emblemático documento.
É importante ressaltar, mais uma vez, que esse conjunto de conceitos não surgiu espontaneamente em 2002, mas estava em construção desde a campanha presidencial de 1989. Em 2002 demos um salto, promovendo seminários regionais que agregaram ao debate centenas de militantes da área, filiados ou não ao partido.
Um dos maiores equívocos conceituais do texto de Avelar é associar o PT ao modelo ‘bom negócio’ da Lei Rouanet, desconhecendo (ou omitindo) que nossa formulação aponta tradicionalmente para a construção de alternativas ao financiamento da cultura, tendo como eixo fundamental os fundos e editais públicos, o que constitui campo de força para o fim do mecenato como tal. Não fosse assim, uma de nossas bandeiras não seria o Sistema Nacional de Cultura, baseado no conjunto CPF – Conselho e Conferência, Plano e Fundo, unindo integração de conceitos com participação social, distribuição de recursos de forma federativa e descentralizada e planejamento de longo prazo.
A ampliação do debate em torno deste e outros temas deu impulso fundamental para a criação da Secretaria Nacional de Cultura PT e respectivas instâncias regionais, hoje consolidadas em 24 estados da federação. Se, antes, nos reuníamos basicamente nos momentos eleitorais, ganhamos ao longo deste período complexidade e capilaridade, reunindo milhares de militantes que constroem no dia-a-dia um universo de políticas culturais nos diversos níveis governamentais e movimentos sociais.
“Ser petista” do século 21 tem muito a ver com um estado de reconhecimento identitário que se desenvolve e se manifesta em diversos níveis de militância. Para aqueles que não vivem o cotidiano orgânico partidário, pode ser mais simples afirmar a ausência de algo do que participar ativamente da construção de projetos coletivos. O amplo debate e a busca de consensos tem sido uma das marcas fundamentais deste partido com quase um milhão e meio de militantes filiados e com elevado grau de diversidade de forças políticas e pensamentos.
Por certo o Partido dos Trabalhadores não é o único espaço-local de produção e formulação de políticas culturais, mas não será necessária uma pesquisa aprofundada para verificar que foi pioneiro na incorporação da dimensão cultural no seu programa partidário, com resoluções sobre diversos aspectos e políticas estabelecidas no país. Exemplo prático está na formulação de leis e projetos que tramitam no Congresso, a maioria a partir de proposição de parlamentares petistas. Qualquer cidadão, ao verificar as leis em tramitação e as já aprovadas, pode comprovar este fato, seja na emenda constitucional sobre o Plano Nacional de Cultura, na PEC 150 do Orçamento da Cultura, na PEC do Sistema Nacional de Cultura e em tantas outras.
O PT também é pioneiro em publicações que orientam o debate interno, contribuindo para o desenvolvimento da prática na gestão cultural e nos movimentos – todas disponíveis no site do Partido na página da Secretaria Nacional de Cultura (http://www.pt.org.br/portalpt/secretarias/cultura-15.html).
Durante os oito anos do Governo Lula, o PT participou em diversas esferas da gestão do Ministério da Cultura e discutiu diretamente com os gestores os rumos e práticas do MinC. Isso implica não somente compromissos com os resultados, mas também a co-autoria de muitas das inovações e práticas. Novas tecnologias e meios surgiram e a gestão soube acolher e dar oportunidade de crescimento e desenvolvimento a elas, como, por exemplo, à Cultura Digital – que, vale o registro, teve debate específico na campanha de Dilma realizado pela Secretaria Nacional de Cultura do PT em conjunto com diversos militantes do segmento.
As diretrizes propostas para o Governo Dilma foram apresentadas e construídas num processo muito amplo. Ele se iniciou no Congresso do PT em fevereiro de 2010, onde as bases programáticas do PT foram estabelecidas; se ampliou no debate interno, com contribuição de agentes da sociedade; e entrou durante a campanha numa comissão ampla que incluía todos os partidos da coligação. O resultado é público, e é nele que devemos nos pautar para fazer as cobranças necessárias enquanto Partido político no poder e base de sustentação do Governo.
A área da Cultura tem para os próximos quatro anos um programa que aponta os desafios colocados para os avanços, inclusive conceituais, das conquistas obtidas no Governo Lula. Identificar qualquer iniciativa da gestão atual como “ruptura” nos coloca acomodados num determinado degrau, quando temos uma enorme escada para subir.
Toda oportunidade de debater política pública deve ser aproveitada e reconhecida. Mas rebaixar o debate para o nível das acusações genéricas, sem lastro na realidade, não leva a parte alguma – embora possa servir bem àqueles se movem por interesses outros.
Nosso horizonte continua onde sempre esteve.

                                                        *Morgana Eneile é secretária nacional de Cultura do PT.

Twitter/Facebook @morganaeneile

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Bolsonaro ou a emergência do racismo latente


Manifestações de racismo e homofobia explícitos são, infelizmente, recorrentes. Derivam de uma visão distorcida de mundo, apoiadas em falsas premissas já desconstruídas pela ciência e o bom senso. Resultam de uma lógica de superioridade branca e propõe a eliminação do outro pela incapacidade de convívio com a diferença.

                                                                                                                                                                             *Ricardo Alvarez

Foram muitas manifestações racistas, xenófobas e homofóbicas nas últimas semanas. A mais recente, que mais chamou a atenção e causou indignação geral, saiu da boca do deputado federal Jair Bolsonaro (PP – RJ). Disse ele, numa sessão de um programa de TV quando questionado pela artista Preta Gil, como se comportaria se seu filho se apaixonasse por uma pessoa negra. Sua resposta não poderia ser mais direta e clara: “Preta, não vou discutir promiscuidade com quer que seja. Eu não corro esse risco, e meus filhos foram muito bem educados e não viveram em um ambiente como, lamentavelmente, é o teu”.
Não sei qual a relação de Preta com seu pai, nem de Bolsonaro com seus filhos, se é de proximidade e afetividade ou não, mas esta moça teve o privilégio de nascer e crescer ouvindo coisas que sublimem a sensibilidade humana e que valorizem a diversidade cultural, refletidas nas canções de seu pai, ao passo que do outro lado o que se ouve são elogios elogio ao trabalho dos militares na ocorrência do golpe militar em 64, de valorização da disciplina, da família e da propriedade, além das virtudes da pena de morte e da redução da maioridade penal como necessárias à “ordem pública e à limpeza social”.
São duas formas antagônicas de enxergar o mundo, de se relacionar com a sociedade e de expor suas opiniões.
Gilberto Gil tem extensa produção musical que exprime sua qualidade artística e direta relação com seu povo e seria desnecessário se alongar sobre sua importância para cultura nacional. Bolsonaro, ao contrário, se caracteriza por despejar palavras de ordem agressivas, como se não tivesse entendido as diferenças entre uma conversa de boteco e uma declaração à TV de um representante da população. Um cartaz afixado em seu gabinete, sobre os militantes de esquerda mortos no Araguaia e sua luta pelo reconhecimento dos corpos, expressa bem isso: “Quem procura osso é cachorro”.
Como deve se sentir uma família que teve seu parente morto pelas forças armadas no Araguaia ao ver tamanho desrespeito com sua memória, exposta de maneira tosca e grosseira por um apologista da violência? Dirão alguns que soldados também morreram no episódio, mas não atinaram para o fato de que foram treinados para a guerra, foram pagos com dinheiro público para matar e torturar militantes de esquerda, que optaram pelo serviço militar, diferente dos ativistas políticos que se levantaram pelo direito de divergir e de escolher seus líderes, e que poucas alternativas existiam num mundo dominado pela idiossincrasia da bipolaridade reinante na Guerra Fria.
Estranho que um defensor da ditadura militar, das torturas e mortes do regime de exceção predominante no Brasil a partir de 1964, consiga ecoar suas opiniões num regime que ele não defenda. Ao invés de se valer da condição de deputado para semear a paz, promover a integração social, estimular a coesão das diferenças, enfim, ser um agente da construção da rica nacionalidade brasileira, destila ódio e faz proliferar uma prática condenável e mesquinha. O seu discurso é responsável por incitar o ódio e a violência. Ele é indiretamente responsável pelos grupos neonazistas que matam gays na Praça da República e jovens que espancam com lâmpadas e coturnos pretensos homossexuais na Avenida Paulista.
Na base deste pensamento mora uma idéia de eugenia, de superioridade racial, que no século XX, por exemplo, causaram guerras, massacres e genocídios como os promovidos pelos nazi-fascistas. Entendem os eugenistas que o comportamento humano se define pela pigmentação da pele, pela dosagem de melanina no corpo, pela disposição dos cabelos. Apontam que as favelas estão lotadas de negros e pardos, assim como cadeias e penitenciárias, que os mais pobres são “escuros”, como provas irrefutáveis de suas teses tolas. Pensamentos que não ultrapassam uma visão pueril de mundo, desprovida de base teórica e prática, desconstruídas com não mais do que 5 minutos de conversa, mas que atravessam décadas a fio sustentadas por intensa campanha de mídia que enaltece os feitos dos homens brancos
Vários casos recentes, exaustivamente explorados pela mídia, como o caso Suzane von Richthofen, a menina Isabella Nardoni, o garoto João Hélio Fernandes, dentre tantos outros, inclusive o do próprio ex vice-presidente José Alencar, evidenciam uma exposição de efetivo sofrimento de pessoas de classe alta ou média, mas ignoram as chacinas diárias nas periferias violentas, o descaso nas filas de hospitais e as mortes pelos motivos mais torpes a que os negros e pobres estão submetidos em seu cotidiano. Algumas famílias tem nome e sobrenome, outras são apenas números.
Bolsonaro e seus seguidores desconhecem não apenas os avanços nos estudos de genética (não existem diferenças de raças entre humanóides), mas também de história, por ignorar que escravos e índios foram confinados, torturados e mortos nas mãos dos europeus durante décadas em nosso território. Desconhecem também a geografia, que identifica parcelas das grandes cidades e regiões metropolitanas, como áreas de segregação espacial periférica, habitados por uma massa de gente explorada como neoescravos. Desconhecem o básico da sociologia do trabalho, cujas pesquisas exprimem uma realidade condenável: salários mais baixos para negros no exercício da mesma função em comparação aos brancos.
Lembro-me de um vídeo em que crianças brancas e negras diante de duas bonecas, apontam para a negra quando inquiridas sobre qual a mais perigosa. Prova indiscutível de que o racismo é bombardeado impiedosamente sobre nossas cabeças desde os primeiros anos de vida.
Bolsonaro deveria saber que a liberdade de opinião não é um valor ilimitado e que suas idéias, pela posição que ocupa, deveriam ser mais elaboradas pelo alcance que tem. A liberdade de expressão tem sim limites mesmo numa democracia; ainda assim o maior problema dos impropérios que vocifera não está no campo da justiça e sim da vida social: ele deveria ter vergonha de falar estas coisas em público, por serem estúpidas demais.
Deveria entender que as diversidades culturais e sociais são a grande riqueza do povo brasileiro, ao invés de achar que confrarias de brancos se justificam pela “superioridade óbvia que a natureza lhes conferiu”. Lamentavelmente suas opiniões encontram eco, inclusive dentro do próprio parlamento..
Recentemente o deputado federal Julio Campos (DEM – MT) se referiu ao ministro Joaquim Barbosa do STF, em 22 de março, da seguinte maneira: “Essa história de foro privilegiado não dá em nada. O nosso Ronaldo Cunha Lima [ex-deputado e ex-governador da Paraíba] precisou ter a coragem de renunciar ao cargo para não sair daqui algemado, e, depois, você cai nas mãos daquele moreno escuro lá no Supremo. Aí, já viu”, afirmou Campos.
Além dele o deputado federal Marco Feliciano (PSC – SP) da bancada evangélica declarou em postagem no twitter: “africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé”. Em seu site parlamentar tentou justificar o injustificável, citando a bíblia. Declara-se contrário a homofobia, mas ataca ferozmente o PL 122 que pune esta prática. Coerência parece não ser o seu forte.
O deputado federal Tiririca (PR – SP) foi condenado pela 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio, no dia 29 de março, em decisão contra a gravadora Sony Music por causa da música "Veja os cabelos dela". Num trecho de sua gravação destaca-se: “Essa nega fede, fede de lascar/ Bicha fedorenta, fede mais que gambá". É bem verdade que a música é anterior à sua eleição, mas ela ajuda a compor o quadro do massacre midiático contra negros.
Quando os representantes estão um passo atrás do representados perdem a credibilidade. É o que parece ocorrer com parcela significativa do Congresso Nacional, composta por gente homofóbica e racista.
Gabriel, o pensador, tem uma composição denominada “Racismo é Burrice” que deveria ser ouvida pelos nobres representantes da bancada conservadora: “Racismo é burrice / Negro e nordestino constroem seu chão / Trabalhador da construção civil conhecido como peão / No Brasil, o mesmo negro que constrói o seu apartamento ou o que lava o chão de uma delegacia / É revistado e humilhado por um guarda nojento / Que ainda recebe o salário e o pão de cada dia graças ao negro, ao nordestino e a todos nós / Pagamos homens que pensam que ser humilhado não dói / O preconceito é uma coisa sem sentido / Tire a burrice do peito e me dê ouvidos”.
O artigo 1º da lei 7.716/89 determina: Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. O artigo 20º aponta que “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, sujeita o infrator a uma pena de “reclusão de um a três anos e multa”. O que o Congresso Nacional está esperando?

*Ricardo Alvarez é geógrafo, é professor e editor do site Controvérsia
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Governo estadual precisa reconsiderar agenda para a educação
                                                                                        * Enio Verri

Ao contrário dos últimos anos, o ano letivo de 2011 nas escolas estaduais está começando com preocupação. Em dois meses, o governo estadual adotou medidas que pouco colaboraram para o bom andamento do sistema educacional no Paraná. Ao invés de dinamizar o sistema, proporcionando mais eficiência e qualidade, as primeiras medidas para a educação criaram apreensão e dúvidas em professores, funcionários, pais e estudantes.
O primeiro destes movimentos ocorreu no início de fevereiro, quando a Secretaria de Educação (Seed) comunicou a interrupção do programa Leite do Paraná, que consiste na compra de leite pasteurizado de pequenos produtores e no repasse às escolas para a merenda dos estudantes. “A cessação do fornecimento ocorre em função de problema com a fonte de recursos”, justificava o comunicado, que anunciava ainda a substituição do leite in natura pelo leite em pó, fato que não se concretizou até os primeiros dias do mês de março.
As consequencias da medida foram arbitrariamente ignoradas. Tirando o leite pasteurizado da merenda, os alunos foram privados de uma importante fonte de nutrientes, notadamente indispensável no desenvolvimento físico de crianças e adolescentes. Ao mesmo tempo, a interrupção está ocasionando uma perigosa pausa na cadeia produtiva do leite, uma vez que pequenos produtores de todo o Estado ficaram sem ter para quem vender o produto. É prejuízo em dobro: para os estudantes e para os pequenos produtores de leite.
Outro problema ocorre na contratação de professores e técnicos administrativos temporários.  Anualmente, o governo estadual promove o Processo Seletivo Simplificado (PSS), que tem o objetivo de selecionar profissionais temporários para minimizar o problema da falta de pessoal. Para 2011, é necessária a contratação de ao menos 9.500 pessoas.
No entanto, uma mudança no formulário online de inscrição do PSS prejudicou milhares de profissionais. O novo sistema teria ficado confuso e ambíguo, além de não permitir a correção das informações uma vez que elas tenham sido enviadas. Muitos servidores que ocupavam os cargos há anos e estavam refazendo o processo seletivo se sentiram prejudicados. Foram 8.359 pedidos de recursos. A Seed considerou válidas apenas 14 reclamações. O caso está no Tribunal de Justiça do Paraná.
Além do transtorno causado a professores, pedagogas, merendeiras, zeladoras e demais profissionais, a inabilidade da Seed em encontrar soluções para o impasse está causando uma grave letargia na retomada das atividades escolares do ano letivo de 2011. 
Outro fator que causa turbulência no sistema educacional nas primeiras semanas do ano letivo diz respeito a crescente insatisfação dos professores com a falta de disposição do governo em conceder o reajuste salarial de 26%, prometido na campanha eleitoral em 2010. O quanto a não valorização profissional dos educadores irá afetar o aprendizado das crianças e adolescentes nos bancos das escolas públicas do Paraná?
É pertinente ainda abordar o Projeto de Lei da deputada Luciana Rafagnin (PT) que dispõe sobre o número máximo de alunos nas salas de aula da rede estadual de ensino. O projeto propõe o limite de 20 alunos no ensino infantil e 1ª série do ensino fundamental, até 25 alunos de 2ª a 4ª séries, 30 alunos nas turmas de 5ª a 8ª e 35 alunos no ensino médio. A partir do momento em que se limita o número de estudantes nas salas de aula, aumentam as possibilidades de desenvolvimento, interação e aprendizagem.
Apesar de representar um importante passo para o avanço na qualidade do ensino, o projeto da deputada Luciana vai de encontro às orientações que os diretores dos colégios estariam recebendo dos técnicos da Seed. Nos bastidores, eles estariam determinando que cada sala de aula deve contar com 40 estudantes no mínimo. Tal recomendação é frontalmente contrária às defendidas atualmente por educadores em todo o mundo.
Em contraposição ao que se esperava, o ano letivo na rede estadual de ensino começa diante de um preocupante quadro de desencontros e dificuldades. A sociedade espera, a partir dos próximos meses, uma reordenação estratégica para a área da educação. Que o governo que se iniciou no dia 1º de janeiro adote uma agenda mais conciliadora e construtiva, atuando com sensibilidade no entendimento das necessidades dos profissionais da área e principalmente das crianças e adolescentes paranaenses que utilizam o ensino público.
*Enio Verri é deputado estadual Líder da Oposição na Assembleia e presidente do PT Paraná.


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Guarapuava 2010: Da invenção dos 200 anos  as eleições gerais
Elton Barz*
O ano de 2010 não deixou de ter suas surpresas para quem esperava a mesmice de sempre. Afinal já no final de 2009 o prefeito Ribas Carli conseguiu restabelecer a maioria perdida na Câmara Municipal. Com isso o caminho ficou livre para ele aprovar o que julgava necessário. Já no fim do ano passado foi aprovada sem debate a licitação publica do transporte que deixou tudo como está. O monopólio da Princesa d’ Oeste foi preservado e nada de novo no transporte coletivo da cidade, nenhuma inovação, nenhuma melhoria.  O que se via era que o Prefeito estava com fome de ação, de movimento.

Uma boa parte dos administradores públicos destes pais quer de uma ou outra forma entrar para história de sua localidade, ainda mais quando já ocupou o mesmo cargo varias vezes.  Isto que deve ter passado pela cabeça do prefeito Ribas Carli. Cumprindo seu terceiro mandato o Carli tentou acrescentar no seu currículo como o prefeito dos 200 anos. Tudo bem se para isso não fosse necessário mudar a data oficial de criação provocando uma polemica nos meios intelectuais, ainda mais que para se compatibilizar os 200 anos com seu mandato foi preciso ter como referencia a tomada dos campos de Guarapuava por Diogo Pinto, que promoveu um banho de sangue dizimando milhares de índios nativos . O monumento por ele construído, na rotatória da Av. Manoel Ribas próxima ao acesso da rodoviária é de um extremo mau gosto. Este monumento é um disparate sobre a luz da pesquisa histórica e está longe de ser politicamente correto. Mas respeitando o currículo do prefeito, que na prefeitura prima por atitudes antirrepublicanas como não promover concurso público, não poderíamos esperar outra saída a não ser esta. Com certeza este monumento entra para historia dos vexames da cidade.

Outro fator que o prefeito não esperava no ano foi a instalação do Campus da Universidade Federal Tecnológica do Paraná em Guarapuava, onde Carli não conseguiu ser o protagonista da festa trazendo para si os louros da iniciativa. Articulada pela bancada federal, via o deputado Cesar Silvestri com ajuda dos próceres do petismo paranaense Gleisi Hoffman e o ministro Paulo Bernardo, Carli se viu como figura secundaria na festa. Inclusive na solenidade da assinatura do convenio Unicentro e UTFPR o prefeito em sinal de desagravo se retirou antes do final da solenidade.
Na administração da cidade tudo como antes. Funcionários públicos sem reajuste há quase 5 anos, a administração continua sendo tocada por estagiários, já que propositalmente não se realizam concursos públicos para o preenchimento das vagas.

O prefeito Fernando Ribas Carli termina o ano com dinheiro à disposição. A Câmara aprovou na sessão de segunda-feira (6 de dezembro) uma autorização que permite ao prefeito a abertura de um crédito suplementar no valor de R$ 7, 6 milhões no Orçamento do Município. Para aprovar o pedido de Carli a Câmara realizou três sessões num único dia, sendo uma ordinária e outras duas em regime extraordinário. Como é bom ter uma Câmara a seu lado!

A combativa vereadora Eva Schran (PHS) estudou o projeto durante a semana e não poupa críticas ao seu conteúdo: “Esse planejamento é um faz de contas. A maioria dos recursos é para pagamento de pessoal, mas não houve contratações ou reajustes dos salários dos servidores, então a provisão de recursos para pagamento de pessoal já devia estar garantido no orçamento. Os servidores não podem ficar por último no planejamento do município,  a mercê de ter ou não recursos. Vejam de onde estão sendo remanejadas as verbas, ou seja, o que deixou de ser feito este ano: muros escolares; construção de creche  e de escolas; aquisição de veículos para saúde, entre outros," observou.

Ouro fator mobilizador do ano foram às eleições gerais que colocou na ativa as forças políticas de Guarapuava. A família Silvestri colocou sua posição de força em ascensão e foi para as urnas com as candidaturas de pai e filho para deputado estadual e federal e se fortaleceram suas posições com o sucesso eleitoral. Este fato foi fortalecido ainda mais com a eleição de Beto Richa para o governo do estado.

A família Mattos Leão também enfrentou as urnas e consegui expressiva votação reelegendo o deputado Artagão Jr, que  agora não contará mais com a primazia na distribuição dos cargos públicos estaduais sediados na cidade
Carli, depois do escândalo nacional do acidente de trânsito de seu filho, o ex- deputado Carli Filho, tentou passar a bola para seu filho Bernardo, o B, que mesmo com todo o investimento financeiro e político da família ficou na segunda suplência de sua coligação.

O PT teve a candidatura do vereador Antenor a deputado estadual que como das outras vezes sempre tem uma votação expressiva na cidade mais com poucas conexões regionais, fato que infelizmente inviabilizam sua eleição a deputado estadual. Seria bom termos um deputado do campo progressista na região.

O PV iria lançar uma dobrada na cidade professor Ronaldo a deputado estadual e Celso Góes a federal. No decorrer do percurso Celso Goes desiste e declara apoio a Cesar Sivestri pai a federal e por isso foi expulso do partido.

Mas, com certeza, a boa surpresa das eleições foi a vitoria de Dilma no primeiro e segundo turno em Guarapuava e toda região foi uma vitoria bem significativa e mostrou que a população, principalmente a mais carente, entendeu a proposta de mudança do governo Lula

Mas, a boa noticia para encerrar o ano, foi à criação em Guarapuava do Conselho Popular de Guarapuava (CPG), uma organização da sociedade civil organizada que envolve várias entidades.  Suprapartidário, o CPG tem como finalidade defender os direitos de participação da sociedade civil organizada no planejamento municipal, assessorando de forma opinativa e reivindicatória o Executivo e o Legislativo, e acompanhar as ações governamentais, além de ouvir, inventariar, analisar, planejar, propor e requerer sobre a receita e despesa do Orçamento do Município de Guarapuava, de acordo com o que preconizam os Artigos 151, 152, 153 da Lei Orgânica do Município de Guarapuava e região. A participação da comunidade no processo de elaboração, definição e acompanhamento da execução do Orçamento Plurianual de Investimentos, das Diretrizes Orçamentárias e do Orçamento Anual.
 
Fazem parte do CPG: a Associação dos Moradores do Bairro Cascavel; Associação Comercial e Empresarial de Guarapuava; Associação do Movimento de Mulheres do Bairro Primavera; Associação de Moradores do Conjunto Residencial Santa Cruz; Associação dos Moradores da Vila Primavera; Associação da Água de Invernadinha; Observatório Social de Guarapuava ; Comunidade São Luiz Gonzaga, Morro Alto, Diocese de Guarapuava; Conselho de Cidadania, Ética e Justiça de Guarapuava; Ordem dos Advogados do Brasil - Guarapuava; EVOLUT – Agência de Desenvolvimento Regional Centro-Sul; Central das Associações de Moradores, Movimentos Populares, Religiosos e ONG’s do Paraná; ACENDER – Associação Central dos Moradores para o Desenvolvimento de Entre Rios.

Fóruns como este são de extrema importância para qualificação da administração publica brasileira, todos os estudos da área apontam que a participação popular fazem as políticas publicas ficarem mais eficientes, efetivas e eficazes. De uma organização similar a esta que se  destacaram quadros para a administração publica paranaense, como é o caso do competente Luis Eduardo Sebastiane, futuro secretario estadual de administração , que antes de ser guindado ao cargo de secretario de Finanças da capital foi um dos coordenadores do Fórum Popular do Orçamento de Curitiba.

*Elton Barz é professor de historia é coordenador da Macro Regional Centro sul do PCdoB

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