A sociologia do pânico
A sociologia do pânico substituiu os economistas do desastre que alimentaram na mídia liberal conservadora o diagnóstico de que o governo Lula iria jogar o país numa crise sem precedentes. Como a economia vai bem, a oposição se voltou para o sistema político, com foco no executivo, alvo de seus prognósticos catastróficos.
Liszt Vieira e Aloysio Carvalho
Com a aproximação do fim do mandato de Lula e o acirramento das disputas em torno do poder político, surgiu uma nova abordagem no meio acadêmico, mais especificamente no campo sociológico. Seu objeto são as eleições de 2010, e sua metodologia a difusão do pânico. A sociologia do pânico substituiu os economistas do desastre que alimentaram na mídia liberal conservadora o diagnóstico de que o governo Lula iria jogar o país numa crise sem precedentes.
Ocorre que o capitalismo brasileiro, como reconhecem praticamente todos os economistas, tornou-se sólido, com um setor industrial desenvolvido, um mercado interno em expansão, um forte agronegócio, e um sistema financeiro organizado, que atravessou sem maiores problemas a crise mundial de 2008.
Como a economia vai bem, a oposição se voltou para o sistema político, com foco no executivo, alvo de seus prognósticos catastróficos. Em texto amplamente divulgado pela imprensa, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sustenta que “o DNA do autoritarismo popular vai minando o espírito da democracia constitucional” e acrescenta que “vamos regressando a formas políticas do autoritarismo militar”.
O presidente Lula deteria “um poder sem limites”, de caráter burocrático-corporativo. Como a vitória de Dilma possibilitará a emergência do subperonismo no Brasil encarnado na figura de Lula, é preciso dar um basta no continuísmo antes que se consolide o atraso representado na aliança entre Estado, sindicatos, movimentos sociais, fundos de pensão e grandes empresas, cada vez mais fundidos nos altos fornos do tesouro.
Na mesma linha de raciocínio encontra-se o texto do sociólogo Werneck Vianna apropriado por um colunista de O Globo. O governo Lula faz uma volta ao passado com a revalorização do Estado Novo e dos governos militares, cujas doutrinas remontam a Oliveira Vianna e Alberto Torres. Os mortos continuam comandando os vivos e o espírito da Ibéria cobra o seu preço diante de um mercado que não consegue se auto-regular. Como decorrência, a democracia brasileira perde seus fundamentos quando a “sociedade em sua diversidade se deixa submeter ao Estado, conferindo à liderança de um chefe de governo carismático a tarefa de cimentar a unidade de seus contrários”.
Pouco depois, o historiador Carlos Guilherme Mota, em entrevista ao jornal Estado de São Paulo, critica Lula e diz que seu governo é pior do que subperonismo, porque "o peronismo politizava e o pobrismo do Brasil avilta"...
O que há de comum nessas interpretações? Mais do que a preocupação liberal com o equilíbrio de poder entre as instituições, o que está em jogo é o poder político e os recursos disponibilizados pelo Estado. Afinal, como até há pouco tempo prevalecia a tese de “primeiro crescer para depois repartir”, a melhora da qualidade de vida da população não acompanhou o crescimento econômico do país.
Nesse ponto vale resgatar o pensamento de Florestan Fernandes, cuja obra tornou-se clássica na sociologia brasileira. O mestre Florestan continua atual e foi claro no livro “A Revolução Burguesa no Brasil”. A burguesia no Brasil detêm um forte poder econômico, social e político, de base e de alcance nacionais. Sempre atua e reage preventivamente quanto às mudanças mais profundas que devem ser realizadas para expandir a democracia no Brasil.
Uma dessas mudanças é, sem dúvida, a redução da desigualdade social. Basta uma rápida comparação na distribuição da renda nos governos FH e Lula. São inversamente proporcionais. No governo FH, a renda caiu vertiginosamente; no governo Lula, subiu de forma expressiva. No que se refere ao desemprego, o fenômeno foi exatamente o inverso, conforme mostram os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD 2008/IBGE.
O governo Lula ampliou o mercado interno trazendo para a esfera do consumo as classes C e D que passaram a constituir demanda para a pequena e média empresa em todo o país. Isso contribuiu para o crescimento econômico, assegurado sem inflação, com aumento real de poder aquisitivo para as camadas de baixa renda.
Os estímulos concedidos pelo governo levaram a uma rápida superação da crise econômica. Isso explica porque o objetivo de alguns sociólogos da oposição é semear o pânico no campo político, já que no econômico o governo Lula teve excelente desempenho, ao contrário do que previam os economistas liberais sempre presentes na mídia.
Mas, também no campo político, esses sociólogos vão malhar em ferro frio. O governo Lula é talvez o mais democrático da história política brasileira. Além disso, fortaleceu o Brasil no cenário internacional em função dos interesses brasileiros e latinoamericanos, rompendo com a dependência tradicional em relação aos interesses norteamericanos.
As elites estão divididas. Alguns segmentos estão satisfeitos com a situação econômica. Outros, mais ligados ao poder político, estão desesperados e tentam manipular a opinião pública por meio da mídia.
Lula está sendo criticado mais pelas suas virtudes do que pelos seus defeitos. É curioso observar que esses críticos não abordaram a questão da ética, nem atacaram, por exemplo, o lado mais vulnerável do governo que é a questão ambiental.
O governo brasileiro reluta em levar metas definidas à conferência da ONU sobre clima, em Copenhague. O Brasil pode, mais uma vez, perder a chance de assumir liderança mundial na questão climática que se torna hoje uma prioridade global.
Mas a sociologia do pânico nem tocou nesse assunto, influenciada certamente pela visão produtivista que predomina no mercado. É pena, porque dentro de vinte ou trinta anos os governos vão ser julgados menos pelas obras e mais pelo que fizeram para combater o aquecimento global e evitar as mudanças climáticas que ameaçam a humanidade.
Essas questões, porém, passam longe das preocupações da sociologia do pânico, interessada apenas no poder político em jogo nas eleições presidenciais de 2010.
Ocorre que o capitalismo brasileiro, como reconhecem praticamente todos os economistas, tornou-se sólido, com um setor industrial desenvolvido, um mercado interno em expansão, um forte agronegócio, e um sistema financeiro organizado, que atravessou sem maiores problemas a crise mundial de 2008.
Como a economia vai bem, a oposição se voltou para o sistema político, com foco no executivo, alvo de seus prognósticos catastróficos. Em texto amplamente divulgado pela imprensa, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sustenta que “o DNA do autoritarismo popular vai minando o espírito da democracia constitucional” e acrescenta que “vamos regressando a formas políticas do autoritarismo militar”.
O presidente Lula deteria “um poder sem limites”, de caráter burocrático-corporativo. Como a vitória de Dilma possibilitará a emergência do subperonismo no Brasil encarnado na figura de Lula, é preciso dar um basta no continuísmo antes que se consolide o atraso representado na aliança entre Estado, sindicatos, movimentos sociais, fundos de pensão e grandes empresas, cada vez mais fundidos nos altos fornos do tesouro.
Na mesma linha de raciocínio encontra-se o texto do sociólogo Werneck Vianna apropriado por um colunista de O Globo. O governo Lula faz uma volta ao passado com a revalorização do Estado Novo e dos governos militares, cujas doutrinas remontam a Oliveira Vianna e Alberto Torres. Os mortos continuam comandando os vivos e o espírito da Ibéria cobra o seu preço diante de um mercado que não consegue se auto-regular. Como decorrência, a democracia brasileira perde seus fundamentos quando a “sociedade em sua diversidade se deixa submeter ao Estado, conferindo à liderança de um chefe de governo carismático a tarefa de cimentar a unidade de seus contrários”.
Pouco depois, o historiador Carlos Guilherme Mota, em entrevista ao jornal Estado de São Paulo, critica Lula e diz que seu governo é pior do que subperonismo, porque "o peronismo politizava e o pobrismo do Brasil avilta"...
O que há de comum nessas interpretações? Mais do que a preocupação liberal com o equilíbrio de poder entre as instituições, o que está em jogo é o poder político e os recursos disponibilizados pelo Estado. Afinal, como até há pouco tempo prevalecia a tese de “primeiro crescer para depois repartir”, a melhora da qualidade de vida da população não acompanhou o crescimento econômico do país.
Nesse ponto vale resgatar o pensamento de Florestan Fernandes, cuja obra tornou-se clássica na sociologia brasileira. O mestre Florestan continua atual e foi claro no livro “A Revolução Burguesa no Brasil”. A burguesia no Brasil detêm um forte poder econômico, social e político, de base e de alcance nacionais. Sempre atua e reage preventivamente quanto às mudanças mais profundas que devem ser realizadas para expandir a democracia no Brasil.
Uma dessas mudanças é, sem dúvida, a redução da desigualdade social. Basta uma rápida comparação na distribuição da renda nos governos FH e Lula. São inversamente proporcionais. No governo FH, a renda caiu vertiginosamente; no governo Lula, subiu de forma expressiva. No que se refere ao desemprego, o fenômeno foi exatamente o inverso, conforme mostram os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD 2008/IBGE.
O governo Lula ampliou o mercado interno trazendo para a esfera do consumo as classes C e D que passaram a constituir demanda para a pequena e média empresa em todo o país. Isso contribuiu para o crescimento econômico, assegurado sem inflação, com aumento real de poder aquisitivo para as camadas de baixa renda.
Os estímulos concedidos pelo governo levaram a uma rápida superação da crise econômica. Isso explica porque o objetivo de alguns sociólogos da oposição é semear o pânico no campo político, já que no econômico o governo Lula teve excelente desempenho, ao contrário do que previam os economistas liberais sempre presentes na mídia.
Mas, também no campo político, esses sociólogos vão malhar em ferro frio. O governo Lula é talvez o mais democrático da história política brasileira. Além disso, fortaleceu o Brasil no cenário internacional em função dos interesses brasileiros e latinoamericanos, rompendo com a dependência tradicional em relação aos interesses norteamericanos.
As elites estão divididas. Alguns segmentos estão satisfeitos com a situação econômica. Outros, mais ligados ao poder político, estão desesperados e tentam manipular a opinião pública por meio da mídia.
Lula está sendo criticado mais pelas suas virtudes do que pelos seus defeitos. É curioso observar que esses críticos não abordaram a questão da ética, nem atacaram, por exemplo, o lado mais vulnerável do governo que é a questão ambiental.
O governo brasileiro reluta em levar metas definidas à conferência da ONU sobre clima, em Copenhague. O Brasil pode, mais uma vez, perder a chance de assumir liderança mundial na questão climática que se torna hoje uma prioridade global.
Mas a sociologia do pânico nem tocou nesse assunto, influenciada certamente pela visão produtivista que predomina no mercado. É pena, porque dentro de vinte ou trinta anos os governos vão ser julgados menos pelas obras e mais pelo que fizeram para combater o aquecimento global e evitar as mudanças climáticas que ameaçam a humanidade.
Essas questões, porém, passam longe das preocupações da sociologia do pânico, interessada apenas no poder político em jogo nas eleições presidenciais de 2010.
Liszt Vieira é Sociólogo, Professor da PUC, Presidente do Jardim Botânico do Rio.
Aloysio Castelo de Carvalho é Professor da Faculdade de Economia da UFF e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFF.
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