A jornalista Lúcia Hipólito, discípula de Miriam Leitão no mau caratismo, tentou de todas as formas culpar o Governo Federal pela tragédia que se abate sobre o Rio de Janeiro num programa de variedades da GLOBONEWS, entre 14 e 15 horas, no dia oito de abril.
Tanto ela como a apresentadora do programa, qualquer coisa Beltrão, orientadas a partir de um ponto (aquele negocinho que fica no ouvido), iam conduzindo as entrevistas segundo as conveniências da empresa. Um dos entrevistados foi um dos grandes especuladores imobiliários do Rio, Pedro Bogossian. Quando se fala em especulador imobiliário vale dizer predador.
O ponto, registre-se, é indispensável em se tratando das duas senhoras em questão. Se soltas e aos seus respectivos talantes não vão conseguir sequer dar boa tarde. No máximo, registrar as grosserias da veneranda senhora Susana Vieira que, opinando sobre Caruaru, PE, disse que comunicação ali é “tambor ou sinal de fumaça, não estou agüentando mais”. Versão Regina Duarte para 2010.
Francisco Negrão de Lima, mineiro de Nepomuceno, ministro dos governos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubistchek, foi o último prefeito do Rio de Janeiro enquanto capital do Brasil. Criou a SURSAN – SUPERINTENDÊNCIA DE URBANIZAÇÃO E SANEAMENTO –. Um dos primeiros, se não foi o primeiro, projetos de planejamento a curto, médio e longo prazos para uma cidade do porte do Rio e já considerando a cidade a partir da transferência da capital para Brasília.
Nasceram com a SURSAN projetos de erradicação das favelas, do Aterro do Flamengo, do Viaduto dos Marinheiros, expansão do sistema de adutoras, enfim, tudo o que se deve pensar para uma cidade de milhões de habitantes e que, naquele momento se transformava em mais um estado da Federação. Àquela época o Brasil era quase uma Federação de fato, para além do papel.
José Sette Câmaras, ministro do governo JK, foi nomeado governador provisório do estado da Guanabara com a transferência da capital para Brasília. Naquele mesmo ano Carlos Lacerda foi eleito governador do estado derrotando Sérgio Magalhães, um dos mais completos parlamentares da história dos parlamentos brasileiros.
Lacerda nomeou Enaldo Cravo Peixoto, um engenheiro sanitarista para a direção da SURSAN e quase todos os projetos desenvolvidos desde Negrão de Lima e em desenvolvimento foram realizados justiça seja feita. Dentre eles, inclusive, a Rodoviária Novo Rio.
Em 1965 Francisco Negrão de Lima foi eleito governador da Guanabara derrotando o candidato de Lacerda, Flecha Ribeiro. Tomou posse em 1966 e uma tragédia semelhante se abateu sobre o Rio com desabamentos, deslizamentos de morros, mortes, nada diferente do que acontece hoje.
Negrão retomou os projetos de contenção de encostas, de urbanização de favelas, de construção de moradias populares e ao término de seu mandato, em 1971, saia do palácio sozinho dirigindo um Lafer conversível até sua casa na região da Lagoa Rodrigo de Freitas. Ao parar nos sinais luminosos durante o trajeto era aplaudido pelas pessoas que o reconheciam e quase todas o reconheciam.
Numa dessas paradas, na esquina de Miguel Lemos com Nossa Senhora de Copacabana, o cantor e compositor Carlos Imperial – estava na calçada aguardando a hora de atravessar a rua – pediu licença para dar-lhe um beijo na testa e sob o aplauso das pessoas gritou “aqui está o homem que resgatou a Cidade Maravilhosa”. Meio sem jeito Negrão sorriu, acenou e assim que o sinal abriu engatou a primeira e seguiu.
A tragédia do Rio de Janeiro começou com a eleição – indireta – de Chagas Freitas. Um dos governos mais corruptos do antigo estado da Guanabara. Uma das quadrilhas mais eficientes em saques a cofres públicos.
Teve continuidade com a decisão do general Ernesto Geisel de promover a fusão entre o estado do Rio de Janeiro e o estado da Guanabara por motivos de ordem política. A oposição, à época o MDB, vencia todas as eleições na Guanabara. Nomeou para o governo do estado o brigadeiro Faria Lima, um homem que não metia a mão no bolso de ninguém, mas tratou de montar um novo estado da extinta Federação, vivíamos a ditadura militar e governadores eram capatazes, para produzir capatazes.
A fusão em si não representaria prejuízo algum se a tarefa de Faria Lima não fosse a de esvaziar a cidade do Rio de Janeiro, ainda que essa viesse a ser, como é, a capital do então novo estado.
Faria Lima foi sucedido por Chagas Freitas e o Rio vítima de novos saques.
Em 1982 Leonel Brizola derrota contra a vontade da ditadura, da GLOBO, da PROCONSULT (empresa contratada para totalizar os votos e ligada à ditadura e a GLOBO) a candidatos do porte de Sandra Cavalcanti (lacerdismo), Miro Teixeira (Chagas Freitas) e Wellington Moreira Franco (ditadura militar). Brizola vence as eleições por larga margem de votos no Rio e Grande Rio e perde no interior do estado, ganha na soma.
A cidade retoma sua trajetória de Maravilhosa. O governo Brizola constitui-se no primeiro grande momento do Rio de Janeiro pós ditadura, no seu reencontro com sua história e suas características (e Brizola era gaúcho, fora governador do Rio Grande do Sul). Segundo a GLOBO – que tentou fraudar as eleições no esquema PROCONSULT, era parte do processo – o governador era a encarnação do demônio.
Cheios de orgulho os habitantes da cidade do Rio de Janeiro e de todo o estado do Rio respondem à rede mentirosa e à mediocridade do então presidente José Sarney, que decidira cumprir as determinações de Roberto Marinho e isolar o Rio de todo e qualquer benefício ou direito que pudesse vir a ter, como forma de asfixiar o governo Brizola.
Numa das épocas de chuvas Sarney estava no exterior e Ulisses Guimarães, presidente interino, foi ao Rio, determinou a imediata liberação de verbas e como o ministro da Fazenda fizesse corpo mole, deu-lhe um prazo de vinte e quatro horas para o dinheiro chegar e o dinheiro chegou. Foi nesse período que no destrambelhamento de se achar um faraó, em visita a antiga União Soviética, que Sarney proclamou do alto de sua mediocridade corrupta –“sou eu promovendo a abertura no Brasil e o Gorbachov aqui –. Incrível que o Kremlin não tivesse desabado diante de tamanha cretinice.
É o tempo dos CIEPs, do Sambódromo, de obras de infra-estrutura nas favelas, de retomada de projetos de reurbanização, enfim, com imperfeições lógico, mas um saldo positivo que valeu a Brizola à volta ao governo em 1990, já na esquema de dois turnos e ganhando direto no primeiro turno.
Pós Brizola, Marcelo Alencar (cria de Brizola que voltou-se contra o criador), Garotinho (idem) e Rosinha. Não há lugar nenhum no mundo que possa sobreviver a um trio desses, ainda mais levando em conta que a cidade do Rio de Janeiro, por duas vezes, foi assolada pelo prefeito César Maia (produto do brizolismo também, mas voltou-se contra o ex-governador).
Seria irresponsabilidade julgar neste momento o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes. Tem sido digno o comportamento de ambos na tragédia que se abate sobre a cidade. Pelo menos o que se tem visto.
Tragédia semelhante se abateu sobre São Paulo e a GLOBO em momento algum culpou dois pilantras da política, José Collor Arruda Serra (que usou e usa o estado como trampolim para tentar chegar à presidência da República) e o notório corrupto Gilberto Kassab.
Para Lúcia Hipólito pouco importa que tenham morrido duzentas ou trezentas pessoas. Importa que é preciso culpar os adversários, passar no caixa e receber o cachê. Depois tomar umas e outras e pronto.
Para a GLOBO a cobertura das tragédias que se abateram sobre as duas maiores cidades do Brasil tem que ser diferenciada. Em São Paulo os governos municipal e estadual são aliados e no Rio, adversários, apóiam Lula, o grande alvo num ano eleitoral.
Quando no cúmulo da irresponsabilidade a comentarista afirma que o então ministro Geddel Lima liberou verbas em grande quantidade para o seu estado, a Bahia, por ser candidato ao governo estadual, se esquece que as verbas foram para as mãos de Jaques Wagner, adversário de Geddel e que vai disputar as eleições com o ex-ministro.
Pensa que todo mundo é idiota.
O governador Leonel Brizola, um homem digno, de coragem, costumava dizer que “o Rio é o tambor do Brasil. O que bate aqui ecoa em todo o País”.
Era de fato, já não é tanto assim.
A forma irresponsável, leviana e cretina como a GLOBO cobre a tragédia que se abate sobre o povo fluminense é marca registrada da canalhice dos que querem transformar o Brasil num mero adereço sul-americano do império norte-americano, os EUA.
Bonner e seu jornalismo marrom sonham apresentar o JORNAL NACIONAL em inglês, com legendas em português para os nativos, assim que José Collor Arruda Serra for empossa na presidência da República.
Para que isso, cada vez mais difícil, aconteça, mentem, distorcem, exploram a dor do povo, forjam dossiês, toda a sorte de canalhices possíveis porque são apenas isso, canalhas.
Saudade não é saudosismo. Mas saudades do Rio de Antônio Maria no Le Rond Point ou esculhambando Carlos Lacerda e de dedo em riste. De Sérgio Porto e Alegria contando casos a noite inteira na Figueiredo de Magalhães (onde por sinal JK tinha um apartamento). Do Rio de Nelson Rodrigues e “a vida como ela é”, descobrindo as excelências virtuosas do palavrão (transformou um centro-avante mediano do Fluminense – Rodrigo – em “EL CID”).
O Rio não é Arnaldo Jabor, não é William Bonner, nem Boninho jogando água suja naquelas que acha “vagabundas”, muito menos Lúcia Hipólito. Essa é a geração GLOBO, BBB, Susana Vieira, a turma que leva cachorrinho ao cabeleireiro de helicóptero para que o bichinho não tenha stress no trânsito.
O Rio é maior que todos eles e saberá dar a resposta a essa corja. Fazer com que o tambor ecoe em todo o Brasil. Só faltou, no afã da campanha por José Collor Arruda Serra, dizer que Lula “matou” as vítimas das chuvas que caíram sobre a cidade e o estado.
Como eu disse, só sabem ser canalhas.
Laerte Braga é jornalista. Nascido em Juiz de Fora, onde mora até hoje, trabalhou no “Estado de Minas” e no “Diário Mercantil”. É colaborador do blog “Quem tem medo do Lula?”.